São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 1995
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Duas fotos

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Semana passada, dediquei-me a meditar sobre duas fotos publicadas e exibidas na TV. A primeira era do pai de Romário, caído numa boa, no chão de sua cozinha, com a detestada camisa do Flamengo que o filho agora irá vestir.
Parece que o pai do craque torce pelo América, mas é vascaíno. De qualquer forma, elegeu o Flamengo como seu demônio preferencial. A notícia de que o filho viria reforçar as abomináveis fileiras do inimigo foi dose para o velho –cujo nome não recordo. Tomou umas e outras e emborcou no chão da cozinha, uma cozinha caprichada, filial doação aos velhos quando o rapaz começou a vencer na vida.
Há sempre um fotógrafo na mira –foi o lema do antigo "Life". Quando há fotógrafo, mas não há assunto, o bom profissional o produz. Nem todo mundo é Robert Capa para pegar a bala atravessando o corpo do falangista. Agora, que o pai do Romário estava numa boa, estava.
A outra foto que me impressionou foi a de uma japonesa que chegou a São Paulo e contou como foi o terremoto de Kobe. Ela se ajoelhou no chão do aeroporto e beijou o solo brasileiro –como o papa costuma fazer, mesmo sem terremoto. A razão do beijo foi agradecer ao Brasil não ter dessas tragédias –embora costume ter outras. Disse ela que muito se assustou quando viu as paredes racharem. Bem, não sou um entendido em terremoto, mas sei por relatos confiáveis que eles começam pelos lustres.
Por isso mesmo, há tempos comprei em Veneza um daqueles lustres complicados, cheio de penduricalhos. Honestamente, não sei até que ponto ele enfeita ou enfeia a minha sala. Mas eu o promovi à condição de sismógrafo particular. É altamente sensível. Eu o fiscalizo severamente.
Quando ouço qualquer barulho suspeito, até mesmo um bater de porta do vizinho, vou espiá-lo. Sondo-o com atenção. Até hoje ("Deus seja louvado" –segundo leio nas cédulas da moeda em vigor), ele tem revelado exemplar comportamento. Quando começar a tremer, bem, nesse dia espero estar em qualquer lugar longe daqui, desde que não seja nas Ilha Papuas.

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