São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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Chegada a Auschwitz

BEN ABRAHAM

Com a aproximação das forças soviéticas, o gueto de Lodz foi liquidado. Fomos trancados nos vagões de carga indo ao desconhecido. Após uma viagem de vinte horas, o trem parou.
Ouvimos gritos e mais gritos. "Raus, raus, verfluchte Juden!" –Fora, Fora, malditos judeus!
Tínhamos chegado a Auschwitz.
Barulho enlouquecedor. Gritos, choros, desmaios. Crianças abraçadas convulsivamente pelos pais. Judeus com barbas, rezando. Confusão geral... "Alles raus!" –todos para fora– gritavam os SS. "Homens de um lado, mulheres de outro. Crianças, velhos e doentes separados!"
Os que vestiam roupa listrada ajudavam a formar as filas. As crianças de colo eram por eles tomadas das mães à força e entregues nas mãos dos velhos. "Para seu bem" –eles diziam para as mães desesperadas... Fomos aconselhados pelos "listrados" a esconder os óculos e beliscar as nossas bochechas para que ficassem coradas. Depois, separados em grupos, os soldados da SS mandaram-nos passar diante de um oficial com sorriso cínico. Ele nada dizia, apenas virava o polegar à esquerda ou à direita, e nós fomos separados de acordo com este sinal, sempre ameaçados por submetralhadoras e bengalas. Soubemos mais tarde que tínhamos estado diante do tristemente famoso Mengele... O seu olhar frio, que encarei por uma fração de segundo, ficou para sempre gravado em minha memória...
Andamos, deixando para trás a fúria dos alemães. Mais da metade da leva que descera dos vagões foi retida. Perguntamos a um dos "listrados" para onde iriam eles. Ele só apontou com a cabeça o portão de ferro acima do qual havia a inscrição: "Arbeit macht frei" –"Trabalho liberta" e disse: –"A gente entra por ali", em seguida apontando para a chaminé de onde saía fumaça negra, acrescentou –"e sai por ali"...
Após passarmos pela "seleção" do Mengele, fomos levados sob chicotadas dos SS a um recinto onde nos mandaram tirar toda roupa e posicionarmo-nos embaixo dos chuveiros. A água passava de fria para quente com rapidez.
Após o banho fomos à "barbearia" onde os "barbeiros" com roupa listrada, munidos de navalhas cegas de tanto uso, rasparam nossas cabeças e todos os pelos do corpo. Um outro "listrado" encostava um pano embebido com uma solução ardente –"para matar piolhos"– dizia.
Ao terminar essa operação, recebemos "roupa", consistindo de calça e paletó surrado e um par de tamancos de madeira ou sapatos velhos. Anoitecia quando fomos conduzidos para outra parte do campo, também cercado com arame farpado preso nos isoladores, que pareciam, na escuridão, manchas brancas. Na fraca iluminação das lâmpadas que pendiam dos postos, podia-se observar alguns corpos pendurados nas cercas. Foram os suicidas como depois soubemos.

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