São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Dono de restaurante não quer ser polícia

ANTONIO ROCHA FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os proprietários dos restaurantes ``cinco estrelas" de São Paulo reclamam que o decreto antifumo faz com que eles assumam papel de ``policiais".
Eles não querem ser obrigados a reprimir seus clientes, fazendo-os apagar os cigarros. Dizem também que não têm poder para isso.
Reunidos pela Folha na última quarta-feira, quatro ``restauranteurs" defenderam a existência de áreas exclusivas para fumantes, desde que fique a critério deles delimitar esses espaços.
Estiveram presentes Quentin Geenen de Saint Maur, 42, fumante, proprietário do L'Arnaque; Sérgio Kalil, 32, fumante, sócio do Spot; Vincenzo Venitucci, 57, ex-fumante, dono da Casa Venitucci; e Ricardo Montoro, 46, fumante, um dos proprietários do Esplanada Grill.
A seguir, os principais trechos da conversa:

Folha - Vocês são contra ou a favor do decreto?
Vincenzo Venitucci - Que o fumo faz mal à saúde não é novidade. A pessoa pode se suicidar se quiser. O problema é o mal que ela pode causar aos outros, que não fumam. Apoio o decreto. Já vi muito fumante jogar fumaça na cara dos outros. Mas há o problema da nossa co-responsabilidade no cumprimento do decreto. Eu não tenho poder de polícia para impedir alguém de fumar.
Ricardo Montoro - O decreto é inconstitucional porque cerceia a liberdade de escolha de quem quer fumar. Ele tem um tom histérico. Não há sentido em estabelecer uma multa alta, de R$ 373,70, por uma suposta infração.
Sérgio Kalil - A lei deveria dizer que cada restaurante define as áreas para fumantes e não-fumantes. Cada estabelecimento colocaria na porta qual a área para fumantes e qual a área para não-fumantes. Ou que naquele local é proibido fumar. Mas tudo a critério dos proprietários.
Quentin Geenen de Saint Maur - O decreto não tem sentido. Já havia a lei que determinava áreas para fumantes e não-fumantes. Agora nos obrigam a ter casas só para não-fumantes. O dono do restaurante deveria ter liberdade de escolher qual clientela deseja ter. A prefeitura não pode interferir em um negócio da qual não é sócia. Daqui a pouco vão multar a casa que não tiver um determinado tipo de cheiro. E é um absurdo colocar o dono do restaurante como fiscal. Se o cliente quiser segurar o garfo com a mão esquerda ou fumar é problema dele. Quem vai comer em restaurante tem um poder aquisitivo mais elevado e sabe atender as regras básicas de comportamento.
Venitucci - Mas há fumantes que realmente incomodam. Há muita gente ignorante.
Folha - Vocês estão respeitando o decreto? Como fazem para não perder o cliente?
Montoro - Nossa orientação é que o maŒtre lembre ao cliente que, por força da lei, não é permitido fumar. No área do bar, o fumo também está proibido. Mas, se alguém quiser mesmo fumar, não temos como impedir.
Saint Maur - Na área do restaurante, não se fuma em hipótese alguma. Nem o pianista pode. No bar, é permitido fumar.
Kalil - Está totalmente proibido fumar em todo restaurante. O pessoal está indo fumar na calçada. Não dá para saber quem está chegando ao restaurante ou quem está voltando da calçada depois de fumar. Mas não há como impedir se alguém cismar de fumar.
Venitucci - Meu restaurante tem poucas mesas. Não tenho como não proibir o fumo. Eu explico a situação. Mas, se o cliente não entende, posso até reagir de modo mais grosseiro. Vai depender do momento. Em princípio, não deixaria o cliente fumar de jeito nenhum. Não é justo que eu pague uma multa para que outra pessoa mantenha seu vício.
Folha - Já houve incidente com algum cliente?
Venitucci - Não. Como meu restaurante é pequeno e os clientes são conhecidos, é muito difícil alguém criar caso.
Montoro - No Esplanada Grill, já chegou um cliente que disse que ia fumar e que, se o restaurante fosse multado, ele pagaria. Isso foi a coisa mais comum no início do ano, quando a proibição começou a valer antes dos restaurantes conseguirem liminar na Justiça. Mas o normal é o cliente apagar o cigarro quando solicitado. É só chegar com o cinzeiro, que a maioria, uns 93%, apaga o cigarro.
Saint Maur - Não me sinto à vontade ao pedir para um cliente apagar o cigarro. É como se eu fosse um dedo-duro, que entrega o vizinho que tem uns contrabandos em casa. Até agora não houve confusão. Meu pianista quis fumar, mas teve que ir para a área do bar. Também chegaram três turistas italianas que queriam fumar de qualquer jeito. Eu expliquei o problema, elas entenderam e foram fumar no bar.
Kalil - Aliás, essa é uma boa pergunta. Como é que a prefeitura vai fazer para multar um estrangeiro que for pego fumando em um restaurante? Por que a lei não se aplica a outros lugares fechados? Ontem fui a um casamento grande, em um salão, onde havia umas 500 pessoas. A maioria estava fumando. E aí, como é que fica?
Folha - Vocês acham que vai haver queda no movimento dos restaurantes?
Montoro - Acho que vai diminuir a permanência do cliente no restaurante.
Saint Maur - Em uma cidade como São Paulo, os restaurantes funcionam como locais de intercâmbio social. É difícil reunir 20 amigos em casa. Então as pessoas vão a um restaurante. Com o decreto, os fumantes terão que sair dos restaurantes para fumar. Isso vai acabar com a característica do restaurante como prolongamento da casa das pessoas. Em um primeiro momento de adaptação, acho que vai haver queda no movimento. Depois, a situação tende a se normalizar.
Venitucci - Como ponto de encontro, os restaurantes vão perder dinheiro.
Folha - Existe relação de prazer entre comer, beber e fumar?
Montoro - Há uma relação quase biológica entre álcool e cigarro. É o prazer do fim da conversa, com o cigarro. Com o fumo proibido, perde a graça.
Kalil - Após comer, é um grande prazer para muitas pessoas beber um licor e fumar um cigarro. Tem gente que se diverte bebendo, tem gente que se diverte fumando.
Saint Maur - Vai ser uma loucura um monte de gente em uma mesa, falando sobre política, por exemplo, gesticulando muito e sem poder fumar. As conversas não serão mais as mesmas.
Venitucci - Sou ex-fumante, mas tenho saudades do cigarro. Adoro o cheiro de um charuto. Apesar disso, acho que muito fumante é mal-educado e desrespeita o direito de quem não fuma.

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