São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Reforma do Estado: hora decisiva

ANTONIO KANDIR

Com assombro e indignação. Assim a opinião pública recebeu o parecer do deputado Prisco Vianna (PPR-BA) sobre a proposta de emenda constitucional relativa à reforma administrativa. O relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, encarregada de julgar-lhe a admissibilidade, alegou a inconstitucionalidade de oito dispositivos (emendas), alguns absolutamente essenciais à consistência e eficácia da reforma administrativa.
Rejeitou a emenda que estabelece, para carreiras não-típicas do Estado, a possibilidade de demissão em virtude de insuficiência de desempenho e/ou excesso de pessoal, não obstante a proposta assegurar amplo direito de defesa, no primeiro caso, e estabelecer, no segundo, que os critérios de desligamento serão regulados por lei complementar. Em ambos os casos, assegurando indenização ao demitido.
Pediu também rejeição à emenda que define o salário do presidente da República como teto para remuneração de ativos e inativos nos três Poderes, em todos os níveis de governo. O relator rejeitou ainda a emenda que impede aumentos de salários em toda a administração pública sem aprovação de lei específica, medida importante para impor controle sobre a tentação de alguns de autoconceder-se aumentos extravagantes.
Não obstante a respeitabilidade inconteste de seu autor, o relatório referendou características altamente negativas da tradição política brasileira: leniência em relação a privilégios corporativos; aderência à política de clientela; desconsideração quanto às condições de financiamento do Estado e eficiência do serviço público.
A leniência em relação a privilégios é notória na rejeição ao limite proposto para remuneração de ativos e inativos do setor público. Nesse ponto, o relatório faz abstração injustificável dos danos perpetrados contra o erário e o contribuinte por algumas corporações encasteladas no setor público e dotadas de grande capacidade de pressão política. Corporações cujas aposentadorias privilegiadas são pagas à custa de crescente desequilíbrio das finanças públicas e achatamento do benefício médio dos demais inativos.
Na rejeição à proposta de flexibilização da estabilidade para algumas carreiras do serviço público percebe-se a marca da cultura política tradicional. Inadvertidamente, por certo, o relator concedeu seu beneplácito ao hábito secular de colocar e favorecer apaniguados dentro do serviço público, como forma de acumular, reproduzir e ampliar o potencial de votos. Acresce que, por não julgar a matéria constitucional, suprimiu o dispositivo que torna obrigatória a avaliação de desempenho para aquisição de estabilidade no serviço público, em detrimento da meritocracia, apanágio das burocracias eficientes.
Quanto à desconsideração em relação às finanças públicas, ela é o corolário do relatório. Em sua elaboração, a ética da responsabilidade, pela qual estamos obrigados a nos perguntar sobre os efeitos práticos de nossos atos, foi posta à margem.
Não é demais repetir que a reforma administrativa constitui condição "sine qua non" do ajuste estrutural das contas do conjunto do setor público, devoradas pela progressão geométrica de gastos com pessoal.
Sem reforma administrativa não haverá equilíbrio fiscal sustentável, nem tampouco Estado eficiente. Não havendo equilíbrio fiscal sustentável, não haverá estabilização duradoura. Não havendo estabilização duradoura, não haverá novo ciclo de desenvolvimento econômico. Não havendo desenvolvimento econômico e Estado eficiente, não haverá inserção ativa e soberana do país na economia globalizada e muito menos melhoria das condições de vida da maioria dos brasileiros.
Pesa, assim, sobre os ombros dos 38 membros da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, uma decisão crucial para o futuro do país. Cabe-lhes refletir sobre a consequência de seus atos e derrubar o parecer do deputado Prisco Vianna.

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