São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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As reclamações e vícios na construção civil

ARTHUR RIOS
1 - O CDC (Código de Defesa do Consumidor) dividiu, nos artigos 12 e 18, as irregularidades de um produto em defeitos e vícios.
Defeitos são anomalias que causam danos imediatos. Por exemplo: a falta de segurança do imóvel, que, em decorrência imediata, promove prejuízos ao consumidor ou a terceiros. É o caso de uma parede cair e provocar vítimas.
Vícios são as anomalias que, em si e imediatamente, já constituem o próprio dano. Por exemplo: inadequação, limitação, dificultação ou desconforto para o uso da coisa pelo adquirente. É o caso de uma instalação elétrica defeituosa.
2 - Para a construção civil, a questão mais corriqueira é a de vícios na construção. Pergunta-se: qual o prazo para reclamar?
O artigo 26 do CDC é claro quanto à regra de caducidade. Após a entrega, quanto aos vícios aparentes, é de 90 dias. Quanto aos vícios ocultos, o prazo é o mesmo e é contado a partir ``do momento em que ficar evidenciado o defeito".
3 - A questão estaria resolvida se não tivesse ocorrido uma diminuição do prazo para reclamação em desfavor do adquirente.
Ele tinha o prazo de seis meses, pelo artigo 178, parágrafo 5º, nº IV, do CC (Código Civil).
Passou a ter 90 dias, contados da entrega (vícios aparentes) e do momento em que a anomalia ficar evidenciada (ocultos).
4 - É possível entender o porquê no fato de que a nova lei foi efetivada numa época onde as comunicações são rapidíssimas.
Não se justificaria um prazo maior do que 90 dias, para quem já tem ciência da sua faculdade de reclamar, quando, hoje, é mais fácil o exercício daquele direito.
Ademais, existem os prazos interruptivos (da data da reclamação até a da inequívoca resposta negativa e durante o inquérito civil).
O prazo alongado é antipedagógico, deseducativo, conservador e ofende o brocardo jurídico: ``Dormientibus non sucurrit ius".
``Quem não se utiliza de seus direitos não merece tê-los", já dizia o jurista alemão Rudolph von Ihering (século 19).
O prazo, que era de 180 dias já em 1916, com muita razão, passou para 90 dias, na efervescência das comunicações do final do século.
A tendência do bom e moderno direito é a de diminuir os prazos prescricionais e de caducidade.
5 - Não há a persistência do artigo 178, parágrafo 5º, nº IV, do CC, ou seja: o prazo não continua de seis meses -foi revogado.
O argumento da sobrevivência da lei velha é simples, ou seja: o dispositivo do CC seria de caráter especial (imóveis) e o artigo 26 do CDC de destinação genérica.
A conclusão é de que a lei nova e genérica não revogaria a lei especial (restrita), embora em conflito. A lógica seria no sentido contrário: o geral abrange o particular.
6 - Com a antiga lei de introdução, tínhamos o artigo 4º, que era no rumo da não-revogação. Com o advento da atual 4.657/42, deixou-se de fazer distinção entre lei geral e especial.
Restou no parágrafo 1º do seu artigo 2º: ``A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".
7 - Declara o artigo 119 do CDC: ``Revogam-se as disposições em contrário". Ocorre a incompatibilidade entre o artigo 26, do CDC, e o 178, parágrafo 5º, nº IV, do CC -tratam do mesmo assunto de maneira divergente.
A matéria especificada no CC (lei velha) está regulada e contida no CDC (lei nova). Nessas condições, o prazo para reclamação contra os vícios é de 90 dias.

ARTHUR RIOS, 57, advogado, é professor de Direito Imobiliário da Universidade Federal de Goiás e titular da Consultores Associados Arthur Rios, Gonzaga Jayme, Rios Moreira & Rios Ltda.

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