São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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Moralismo persegue Calvin Klein e seus adolescentes

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Os problemas que o estilista Calvin Klein enfrentou com sua mais recente campanha publicitária são sintomáticos do alarmismo moralista que ameaça a liberdade de expressão e o desenvolvimento cultural dos EUA.
Klein tem usado anúncios sensuais para vender jeans há muito tempo. Como, aliás, quase todo mundo faz, da indústria automobilística a vários candidatos a cargos eletivos. Sexo vende e ninguém duvida disso.
No passado, Klein também se valeu da sensualidade adolescente. Os teens são um dos seus públicos-alvos prioritários. Brooke Shields começou a sua carreira como modelo de Klein.
Mas os anos 70 passaram. Os EUA se tornaram obcecados com a salvação física e moral da espécie humana: a paranóia da pornografia infantil é uma variante desse clima, como a histeria contra o fumo.
Agora, a campanha publicitária de Klein, parecida com a que foi estrelada por Shields no passado, desencadeia, primeiro uma cruzada de entidades conservadoras, depois uma advertência do presidente da República e, por fim, uma investigação da Polícia Federal.
Os conservadores forçaram, com ameaças de boicotes às lojas que continuassem vendendo produtos Calvin Klein enquanto a campanha estivesse no ar, que o próprio Klein resolvesse suspendê-la. Bill Clinton, em princípio um líder que defende idéias liberais e ele próprio um produto dos valores dos anos 60, demonstrou a que ponto de vulgaridade pode chegar um político à cata de votos.
A Polícia Federal, que parece não ter assuntos mais graves para tratar num país que tem os índices de criminalidade mais altos entre os do Primeiro Mundo, quer pôr Klein na cadeia por crime de pornografia infantil.
Ninguém de bom senso pode achar saudável expor crianças a material pornográfico ou deixar que elas fumem. É um objetivo de qualquer sociedade diminuir as chances de que qualquer criança passe por tais experiências.
O problema é que, ainda mais num país das dimensões dos EUA, questões desse tipo ocorrem com alguma frequência. Como interessam a todos, recebem grande exposição dos meios de comunicação de massa.
O alarmismo paranóico aliado ao moralismo proselitista leva aos exageros. Para diminuir a pornografia infantil e o consumo de cigarros por crianças, vale tudo: condenar à prisão um deputado por ter feito sexo consensual com uma voluntária de 16 anos, proibir anúncios de cigarros de qualquer tipo, impor censura às comunicações via computador ou prender Calvin Klein.
Gosto não se discute. Pode ser que muita gente tenha achado os anúncios de Klein ``ultrajantes", como disse Clinton para os aplausos de uma platéia de direitistas. Mas pornográficos é que eles não eram. Eles exploravam a sensualidade do adolescente. A ciência prova que a puberdade na espécie humana tem começado em idades cada vez menores a cada geração. Tanto do ponto de vista físico quanto psicológico.
É impossível negar que sexo e sensualidade fazem parte do universo de preocupações das vidas de meninos e meninas a partir dos 13, 14 anos. O que a campanha de Klein fez foi explorar esse aspecto da personalidade do adolescente. Seus modelos apareciam em poses sensuais, vestidos com seus shorts e calças, respondendo a perguntas marotas feitas por um locutor ``off": ``Você faz exercícios? É evidente que faz", por exemplo.
Os mesmos conservadores que aplaudem as investigações contra Klein e que gostariam de vê-lo preso como exemplo para os pedófilos atuantes ou apenas imaginários reconhecem a maturidade dos adolescentes quando lhes interessa. Eles defendem que menores de idade acusados de crimes recebam o mesmo tratamento judiciário reservado aos adultos, inclusive a sujeição à pena de morte, quando for o caso.
Pela sua lógica, uma garota de 16 anos é responsável por seus atos a ponto de pagar com a vida caso seja condenada por um crime, mas é incapaz de escolher um homem maior de idade como amante e, se isso acontecer, o homem deve ser preso, como ocorreu com o deputado Mel Reynolds.
O clima de histeria permite aos conservadores liberarem todos os seus demônios. Para realçar a pretensa criminalidade de Klein, descobriram um agravante: o locutor que dirigia as perguntas maliciosas aos modelos era um homossexual conhecido como ``Papai de Couro". Descobriu-se depois que Lou Maletta, um senhor respeitado na comunidade homossexual de Nova York, de fato narrou os anúncios numa versão inicial. Mas a agência de publicidade de Klein resolveu substituí-lo na versão final para evitar acusações que acabaram vindo assim mesmo.
Para os conservadores que comandaram a onda anti-Klein, o fato de um homossexual ser o narrador dos anúncios só demonstra como a intenção era corromper os inocentes espectadores adolescentes.
A única possível acusação material contra Klein, a de ele ter utilizado modelos menores de 18 anos na campanha, logo caiu por terra: só um deles tinha 15 anos e mesmo assim seus pais haviam autorizado formalmente sua participação na campanha publicitária.

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