São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

`Carpe diem' estragado

NOELLY RUSSO
EDITORA DO FOLHATEEN

Transar, usar drogas, procurar, de vez em quando, um trabalho e ficar por aí. O que é a vida afinal? Para os adolescentes de ``Kids", nada além disso.
Essa geração, que representa parte da juventude dos anos 90, é uma versão ``estragada" do lema ``viva rápido e morra jovem".
Aproveitar a vida ao máximo, fazer tudo o que se tinha direito, enquanto ainda havia juventude era um objetivo para quem viveu os anos 50 de James Dean. O que contava não era o quanto se vivia, mas o quão intensamente. O quanto se podia tirar proveito e diversão na juventude. O quanto era possível transgredir.
Os ``kids" não querem aproveitar nada. Nem se divertir. Como os rebeldes que viviam há 40 anos, eles também não seguem a ordem estudar-trabalhar-casar-ter filhos-se aposentar e morrer.
A diferença é que não a recusam. Não têm objetivo algum com sua negação. Não querem mudar nada. Não têm a menor intenção de romper com o establishment. Não transam por amor. Não usam drogas para fugir da realidade ou criar uma nova. Não têm trabalho e recusam a escola.
O fato é que não se importam com nada. E nem isso é uma ideologia para eles. Os meninos e meninas estão lá -então, por que não transar? As drogas também estão disponíveis. Por que não usar?
Poderia até ser possível pensar que eles adotam o mote ``carpe diem" -querem viver intensamente cada momento. Isso seria verdade se esses adolescentes tivessem alguma preocupação em tirar proveito de sua própria existência. Transformar cada segundo em uma experiência intensa e enriquecedora. Mas também não querem nada disso. Apenas estão lá.
A exposição deste grande vazio, que não tem qualquer matiz existencialista, é um dos maiores méritos do filme. ``Kids" chega perto de ser um documentário sobre o que parte da juventude hoje espera do mundo: quase nada.

Texto Anterior: Um mundo chamado `home'
Próximo Texto: Uma geração de autistas sociais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.