São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995 |
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A estética da decadência hype
ERIKA PALOMINO
Não se trata de ócio ou preguiça, mas um far-niente cotidiano, sem estresse, quase leve. Esses kids são bon vivants. ``No problema" -parecem dizer o tempo todo. A desocupação impera. Apenas a mãe de Telly menciona a possibilidade de um emprego. A quem ele sistematicamente enrola, claro. As principais atividades são: andar de skate na praça, trepar, repercutir essas trepadas com os amigos e as amigas, tomar drogas de tipos variados, beber, arranjar o que comer quando bate a fome, arranjar o que beber quando bate a sede (o que, nos dois casos, pode significar pequenos furtos), arrumar drogas de tipos variados e, finalmente, combinar o que fazer à noite. O que, nesse caso, pode significar fazer tudo isso anteriormente citado. Assim, como personagens de um ``Tio Vânia" urbano e muuuito moderno, os kids de Larry Clark se mexem em meio ao nada. Como o sexo que fazem -sem envolvimento, com um tesão de falas decoradas. Telly chega a repetir o mesmo texto com duas das garotas virgens que convence a transar. ``Get high", entretanto, é um objetivo fundamental. ``Ficar alto", alterado ou lesado; drogado, bêbado, louco. Assim, vão à casa de um ou outro amigo ou conhecido apenas porque fulano pode ter ``alguma coisa". Ou quem sabe alguma comida. ``Ele tem um microondas", diz Casper, sobre um ``brô" que mora com um casal de gays -estes sim, responsáveis por pagar as contas e o aluguel. Tomemos essa sequência. Lá eles cheiram um tipo de gás, inalado a partir de um balão, levando ao riso e à idiotia. Passado um pouco o efeito, saem para a rua, furtam um suco e uma fruta, pegam dinheiro da mãe escondido e vão comprar maconha na praça Washington Square. À noite, finalmente, num apartamento, todos enchem a cara de cerveja e fumam mais maconha, enquanto a protagonista Jenny toma inadvertidamente um ecstasy numa rave. E depois `derrete", coitada, sob os efeitos de pressão baixa e confusão mental que a pílula traz. Amanhã, provavelmente, o dia vai ser igual. Uma das coisas desconcertantes de ``Kids" é conferir justamente como toda essa história se repete. Não só nesse dia seguinte ou nas estatísticas de Aids, de não usar camisinha, de consumir droga -tão semelhantes a São Paulo, como já se viu. É a imagem obtida pela câmera de Larry Clark bem parecida com a imagem dos jovens perdidos daqui. Clark -como disse em entrevista à Folha- é um esteta que mesmo em meio à decadência e ao destrambelhamento desse universo não descuida da beleza. Bem fotografados, seus personagens são 100% fashion, modernos, hype. Boys e girls ``next-door", como se diz em inglês; garotos da porta ao lado. Que podem existir -e existem- em qualquer parte. Texto Anterior: Uma geração de autistas sociais Próximo Texto: A face feminina da tragédia Índice |
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