São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1995
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A reforma tributária

ALCEU LANDI

Pelo menos em sua exposição de motivos, a reforma pretende a simplificação, a redução do potencial de sonegação, a competitividade no cenário mundial e uma distribuição da carga tributária mais justa.
O governo deveria ser mais contundente e deixar claro aos senhores congressistas que há de se corrigir os defeitos do modelo de desenvolvimento dirigido que temos adotado até hoje e eliminar as distorções criadas pela Constituição de 1988.
Ou seja, a proposta deveria explicitar um quinto objetivo: a racionalidade na alocação dos recursos, racionalidade essa que faltou à Constituição de 1988 ao transferir receitas para Estados, Distrito Federal e municípios sem lhes transferir a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos aos quais se destinavam originalmente essas receitas transferidas.
Não só não encontramos esse quinto objetivo explicitado como nos deparamos com uma preocupação muito grande em propor mecanismos para proteger Estados, Distrito Federal e municípios da eventual perda de arrecadação! Vale dizer que se preserva a já citada distorção da Constituição de 1988.
Não sei como se pode chamar de "reforma" uma proposta que não está disposta a diminuir a receita de tributos que não esteja sendo devolvida ao contribuinte na forma de serviços. Claro que uma proposta de diminuição de arrecadação de Estados e municípios sofre uma resistência tremenda da parte dos senhores congressistas, pois votar a favor de tal proposta, segundo a cultura prevalecente, pode significar suicídio político! Mas o fato é que os interesses maiores da sociedade devem sobrepor-se a interesses eleitoreiros. E a sociedade clama por melhor alocação dos recursos arrecadados.
Em vez de fugir do problema, deveriam o presidente e seus ministros se esmerar na "venda" aos congressistas de um projeto de Reforma (com "r" maiúsculo) que extirpasse as aberrações da Constituição de 1988, que emperram a nossa marcha para nos tornarmos uma grande nação, com distribuição de renda socialmente justa.
Seria legítimo esperar que leis complementares e ordinárias atacassem esses problemas? Infelizmente, não consigo acreditar nisso. Já temos amostra recente de que a preocupação de não deixar cair a arrecadação estará sempre presente. Refiro-me à recente proposta de projeto de lei que altera a legislação do Imposto de Renda das pessoas jurídicas.
Pelo projeto de lei, reduzem-se alíquotas e adicionais e se estimula o investimento de capital próprio, na medida em que não se tributam dividendos e se permite remunerar com juro o capital investido -para citar alguns avanços positivos.
Pois bem! Só que a arrecadação não pode cair! Então, o que se faz? Acaba-se com a correção monetária do balanço e tributam-se provisões que não sejam para férias e para 13º salário! Simplesmente isso!
Acabar com a correção monetária do balanço, todos o sabemos há pelo menos 30 anos, é tributar lucro inflacionário. Que retrocesso para uma sociedade que ensina contabilidade de inflação para o resto do mundo!
Tributar provisões, indistintamente, é um absurdo! É desconhecer os rudimentos da contabilidade de custos e da formação de preços! Nenhuma empresa no mundo capitalista sobrevive se estabelecer seus preços baseada apenas na sua contabilidade de caixa!
Senão, vejamos. É prática comercial generalizada vender a crédito. Quando se vende a crédito, corre-se o risco de não receber. O lojista, por experiência, sabe que a inadimplência gira em torno de "x"%. Então, prudentemente, ao fazer suas contas para estabelecer seus preços de venda, vai considerar que o produto que ele vende não custa só aquilo que está na fatura do fornecedor: tem um custo adicional -o risco de vender e não receber! Pois bem, essa provisão para inadimplência vai estar embutida nas vendas.
Sabemos todos que as vendas são receitas tributáveis. Como o lojista vendeu a crédito, parte dessas receitas tributáveis (ou seja, parte das vendas) pode estar por receber quando chega a hora de fazer o balanço e apurar o lucro tributável. Vale dizer que o lojista ainda não sabe se vai mesmo receber (corre o risco de perder).
O que faz o contador para que o lojista tenha uma apuração adequada de seus resultados? Faz uma provisão para devedores duvidosos! Nada mais certo, nada mais justo! E o que faz o fisco, agora, por esse projeto de lei? Diz que essa provisão para possível perda não é dedutível! O lojista contribuinte não é levado em consideração! Às favas a contabilidade! A única coisa que conta é: a arrecadação não pode cair!
"Um passo para a frente, dois para trás!" Até quando?

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