São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1995
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O túnel e o Primeiro Mundo

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Está em perfeito funcionamento o tal ``túnel de Primeiro Mundo", também conhecido vulgarmente como ``túnel Ayrton Senna".
Com idêntica perfeição, continua o congestionamento nas avenidas 23 de Maio e Rubem Berta, nos trechos pós-túnel. Pelo menos era o que se via tanto ontem como anteontem.
Podem até as estatísticas oficiais indicarem que o trânsito na região melhorou xis por cento. O que se vê (e o que se sente ao andar de carro por lá) é o mesmo de sempre, um sufoco incrível. E estou me referindo ao movimento entre 14h e 15h, ou seja, horários que não são de pico.
É notável, no entanto, como as elites tupiniquins compram a idéia de que tal ou qual coisa é de ``Primeiro Mundo". Um dos telejornais da Globo, no sábado, maravilhava-se com o fato de o túnel ter placas indicativas que permitem ao motorista saber sob que trecho exato do parque Ibirapuera ele se encontra ao cruzar o túnel.
Grande coisa. Se a placa, em vez de ``Lago do Ibirapuera", dissesse ``Candelária", ``rio Guaíba", ``praia da Aldeota", ``Elevador Lacerda" etc., daria na mesma. Tudo o que o motorista vê, além da placa, é concreto em cima e ao lado e asfalto em baixo.
Os tupiniquins não se emocionam nem sequer com o fracasso de público e renda, até agora, da mais recente aventura primeiro-mundista em forma de túnel. O Eurotúnel, sob o Canal da Mancha, dá tanto prejuízo que a empresa que o gerencia cometeu ato terceiro-mundista, ou seja, deixou de pagar suas dívidas.
Deslumbramentos à parte, vamos, de novo, aos fatos: não há túnel de Primeiro Mundo ou de Segundo ou de Terceiro. Há, sim, soluções para os problemas urbanos que nem precisam ser de mundo algum. Basta que funcionem.
No caso do trânsito paulistano, não custa repetir, só há uma coisa que realmente pode ajudar: estender o metrô ao máximo possível. Parece ser a única maneira de convencer os motorizados a deixar o carro em casa e usar transporte coletivo.
Fora isso, podem inaugurar quantos túneis de Primeiro Mundo quiserem. Só funciona como peça de propaganda.

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