São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1995
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Os sem-nada

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Nos anos que antecederam ao movimento militar de 1964, o bordão político que frequentava pronunciamentos oficiais ou oficiosos dos diversos governos e respectivas oposições era a reforma agrária. Havia os graduais e os radicais, mas era um consenso nacional: o Brasil só seria alguma coisa se fizesse a reforma agrária. Do contrário, patinaríamos no subdesenvolvimento, com um número cada vez maior de miseráveis e uma distribuição de renda cada vez mais obscena.
Falar em reforma agrária dava cadeia. As Ligas Camponesas, os engenhos invadidos no Nordeste e a violência no campo lubrificaram o sistema totalitário. Veio a redemocratização, pedir liberdade ficou mais importante do que pedir terra, tudo bem, a fase de transição passou, e um representante da antiga oposição foi eleito. Com antigos companheiros chegou ao poder e promoveu não a reforma agrária, mas a reforma da cabotagem. Mares e portos foram abertos ao mundo -como se antes estivessem fechados, tal como nos tempos anteriores a dom João 6º.
Qual a química política, econômica ou social que motivou a troca de prioridade? A situação continua a mesma de antes de 64. O problema fundiário, como o problema social na Velha República, é um caso de polícia.
A bola da vez agora é a reforma administrativa. Nem se discute que há abusos: os Estados consomem, em média, cerca de 80% de seus orçamentos com o funcionalismo. Contudo, a atual equipe que está no poder é tão fisiológica quanto as anteriores. Demitirá estáveis e nomeará novos estáveis a partir de uma nova data.
O caso da extinção da LBA é revelador: extinguiu-se um órgão viciado e inoperante. E foi criado um esquema de solidariedade comunitária que, só de viagens e diárias para o turismo assistencial (aqui e no exterior), deve estar muito acima dos desmandos do órgão desativado.
Os sem-terra no campo, os sem-emprego e sem-teto na cidade continuam formando o Brasil dos sem-nada.

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