São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 1995
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O transe da terra

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Amigo meu estava em Israel quando Jânio Quadros renunciou. Foi chamado por Ben Gurion, que desejava entender o que estava se passando no Brasil. Recebeu a explicação óbvia: Jânio tinha problemas para governar e preferira ir embora. Ben Gurion arregalou os olhos:
``Como ter problemas? O Brasil tem tanta terra!".
Nada demais que Ben Gurion não entendesse as dificuldades de um presidente brasileiro. O problema de Israel era terra, terra que precisava ser disputada palmo a palmo contra o deserto, as pedras e os árabes em volta. Já o Brasil era o colosso verde no qual caberiam duas Europas e uns cem Estados de Israel.
Ben Gurion não sabia, ao menos naquela ocasião, que tanta terra pertencia a poucos e nada produzia. De 1961 para cá, a situação é praticamente a mesma. Tanto os governos militares como os seguintes fizeram alguns assentamentos, mas que não chegam a ser, nem sequer, a espinha dorsal de uma reforma agrária. É um paliativo para apaziguar tensões localizadas no chamado ``barril de pólvora" que alimentou tantos sonhos da esquerda e tanto assustou a direita.
Por acaso ou não, depois da renúncia de Jânio, a reforma agrária foi tema inamovível do discurso político, econômico e social. Criou-se um movimento, a Tradição, Família e Propriedade, também conhecido pela alcunha de TFP, que considerava a reforma agrária uma façanha pessoal do demônio.
Nessa época, tanto FHC como metade do atual governo também deviam estar falando na reforma agrária. Dificilmente eles estariam pensando na reforma da lei da cabotagem, na reforma administrativa ou fiscal. Evidente que são reformas necessárias, mas simples perfumarias para a maquiagem moderna do Estado.
A situação no campo permanece feudal. Vargas conseguiu absorver o operariado para a sociedade. Mas não teve peito para mexer no campo. A FHC sobra muito peito para reformar cartorialmente o país, tirar esse imposto e botar outro, demitir esses e nomear aqueles. A polícia dará paz na terra. E o governo dará carros importados aos homens de boa vontade.

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