São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 1995
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A abertura das comportas

JANIO DE FREITAS

Por estranho que pareça à primeira vista, as acusações de empreguismo, clientelismo e outros ismos pejorativos, feitas aos parlamentares que têm restrições ao fim da estabilidade do funcionalismo civil, aplicam-se melhor aos que votarão pelo projeto do ministro Bresser Pereira do que aos atuais acusados.
Mesmo os observadores superficiais da política terão notado que o fim da estabilidade é apontado por quase todos os que mais inflaram o serviço público com nomeações de interesse eleitoral, caso em que o PFL tem destaque merecido. Os nomeadores contumazes foram, então, acometidos de um ímpeto suicida, pretendendo agora a demissão dos seus nomeados, dos seus cabos eleitorais? É uma pergunta que qualquer observador poderia fazer-se. Todos, forçosamente, com a mesma resposta negativa.
O que se passa é que o projeto Bresser Pereira contém uma combinação ruinosa: a possibilidade de demissão e as nomeações sem concurso, por meio só de um processo dito ``seletivo". O projeto prevê, a título de garantia contra demissões para novas nomeações, que o cargo do demitido seja extinto. Mas o que os políticos nomeadores estão vendo aí não é o obstáculo, é a facilidade: para contornar a restrição, basta nomear para um cargo novo, até usando a verba que a demissão deixou disponível. Com isso os nomeadores nem se sujeitariam à denúncia de aumento de gasto com pessoal, embora pudessem fazer milhares de nomeações.
O fim da estabilidade é, portanto, favorável aos nomeadores contumazes e explica sua adesão ao projeto governamental. A possibilidade de contratação por processo dito ``seletivo", por sua vez, brinda-os com a eliminação de uma das melhores inovações, senão a melhor, da Constituição de 88 em benefício da moralização do serviço público. É a que está no art. 37: ``a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração".
Esses cargos de livre nomeação têm o inconveniente de seu reduzido número, em relação aos interesses eleitorais, sem falar nos interesses familiares. O fim do art. 37, substituído pela nomeação ``seletiva", abre as comportas outra vez.
O apoio não-parlamentar ao projeto o tem considerado do ponto de vista financeiro, do custo do funcionalismo para os governos, em particular o governo federal. Mas os modos da política e da administração pública pertencem tanto à realidade quanto os cofres. E nela são os verdadeiros condicionantes, porque ditam o destino ao conteúdo dos cofres. Considerar só o aspecto financeiro, no caso, é ater-se ao fator menor do problema. Para o qual muitos têm proposto a solução óbvia: o funcionalismo não custa exorbitância, a arrecadação dos governos é que está longe do que deveria. Em um país onde a própria Receita Federal estima que a sonegação seja de R$ 1 para cada R$ 1 recolhido, isto é, onde os governos só recebem metade do que lhes é devido, o custo do funcionalismo, da educação, da assistência à saúde, de obras públicas, não são problemas em si. São problemas derivados, todos, de um só: a massa da sonegação, sem equivalente no mundo.
O número de funcionários públicos no Brasil é ridiculamente pequeno, como ficou evidente na Folha de domingo (enquanto, nos modernos Estados Unidos, o funcionalismo representa 15,5% da população economicamente ativa e, no Reino Unido, 21%, no Brasil são 9,4%). Esta dimensão exígua explica muito das más qualidades do serviço público, costumeiramente atribuídas aos funcionários. Mas dessas questões o ministro Bresser Pereira não se ocupa, tanto que até hoje não sabe quantos são os servidores públicos, precisando valer-se de número fornecido pelo PT. É explicável que sua proposta seja a mais simplória: a guilhotina. Ótima para os políticos nomeadores -e para o seu PSDB.

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