São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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'Pasolini' revê crime que levou à morte do poeta

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Polêmico não é "Pasolini: Um Crime Italiano". Polêmico foi Pier Paolo Pasolini, poeta, cineasta, ensaísta assassinado em 2 de novembro de 1975.
O filme de Marco Tulio Giordana segue o que se pode chamar de uma tocada clássica no filme policial italiano. Primeiro, um homem é assassinado. Logo, um jovem -Pino Peloti- é preso e confessa o crime.
Quando parece não haver mais nenhuma dúvida, porém, é que elas começam a aflorar. O assassino estava sozinho? O local do crime foi modificado? O crime seria político? Pasolini foi morto por ser homossexual?
"Pasolini" não foge a uma tradição que se firmou com uma pilha de filmes relevantes, como "O Bandido Giuliano", "Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita", "Confissões de um Comissário de Polícia ao Procurador da República."
Antes, parece querer reencontrá-la. Desta vez, porém, acrescentando uma questão paralela. Se no passado havia quase sempre uma questão política implicada, aqui ela se desloca.
Para Marco Tulio Giordana, a questão é: o que fazer com um poeta, com a arte, com a morte?
Estamos diante da "destruição antropológica da cultura." Ou seja, a Itália simplesmente não sabe o que fazer. Está perdida.
É possível que o assassinato tenha sido cometido por fascistas. Talvez não. O que importa, no caso, é essa capacidade (aparentemente imbatível) da Itália e de sua polícia de empurrar os problemas para baixo do tapete e fechar os olhos. De criar não-ditos que ocupam um espaço imenso.
"Pasolini" se organiza em torno de uma tradição e parece cortejar um público amplo. Ao mesmo tempo, pisca um olho para a modernidade, inserindo cenas documentais (em que aparece o Pasolini ou em torno de sua morte).
É aí que se podem pôr umas tantas restrições ao filme. Quando busca trabalhar na fronteira entre ficção e documentário, o filme pratica uma trapaça não menos importante do que a possível omissão da polícia italiana: vende por verdade o que é uma hipótese (por interessante que seja).
No passado, em "O Bandido Giuliano", por exemplo, Francesco Rosi deixava claro que reconstituía por conta própria os fatos ligados à vida e morte de Salvatore Giuliano.
Aqui, jogado entre a realidade documental e a reconstituição ficcional, o espectador nunca sabe direito se está diante da palavra do autor do filme ou da "verdade".
O que tem de apaixonante (por evocar uma crise geral da cultura), "Pasolini" tem também de decepcionante, na medida em que se mostra bastante conforme a essa crise. Num mesmo movimento a representa e a reproduz.
Dito isso, o filme traz um ator de primeira: Carlo de Filipi, na pele do assassino, faz um vilão exemplar.

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