São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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Retorno silencioso

JANIO DE FREITAS

O uso de subterfúgios para adiar uma votação no plenário ou em comissão do Congresso, como fez ontem o governo no que seria o primeiro teste da pretensa reforma administrativa, é um recurso legítimo. A finalidade do governo neste adiamento, porém, não o é.
Não fosse o jornalismo avaliar os fatos, não pelo que são, mas pelo grau de proteção ou antipatia dedicada aos envolvidos nos fatos, as primeiras páginas dos dois últimos dias estariam denunciando a volta do sistema "é dando que se recebe".
A convocação dos governadores, atendida por 13 deles, para ouvir de viva voz do secretário do Tesouro a garantia de empréstimos imediatos para os Estados, assim como do antes relutante refinanciamento de R$ 3 bilhões das dívidas estaduais vencidas, ativou os presentes para, afinal, pressionarem parlamentares pela aprovação do projeto governamental na Comissão de Constituição e Justiça.
Mas a voz sedutora dos cofres públicos, que o governo diz vazios para fins mais nobres, não alcançou os 14 governadores ausentes e, se melhorou a posição governamental na comissão, não chegou a lhe dar a certeza do êxito. Além da oferta aos ausentes, era necessário mais tempo, também, para o chamado corpo-a-corpo, o lançamento de seduções pessoais sobre os parlamentares ainda resistentes.
A adesão ao "é dando que se recebe" não está, pelo visto, circunscrita à tática do governo para reverter a tendência contrária à reforma administrativa. Embora ressalvasse não estar propondo uma barganha, o ministro José Serra, ao falar à comissão parlamentar que examina a prorrogação do Fundo Social de Emergência, lançou, com toda a clareza, a alternativa: se aprovado o FSE, "não haverá problema para o governo aceitar" um número bem maior de dotações orçamentárias do interesse de parlamentares, ao passo que a recusa ao FSE levará o governo a vetar tais verbas.
Referia-se o ministro ao desencontro entre o governo e o parecer preliminar da comissão que discute o Orçamento de 96, que prevê R$ 4 bilhões para propostas de senadores e deputados. Ou 300% mais do que o governo admite (até agora).

O verdadeiro
As mortes de figuras públicas trazem muitas coisas à memória. A do deputado Amaral Netto trouxe pelo menos uma lembrança amena, uma curiosidade.
Muito bem patrocinado pelo regime militar, o programa "Amaral Netto, o Repórter", naturalmente na TV Globo, com frequência exibia Amaral em cenas muitas vezes arriscadíssimas, que ele ia narrando sem se perturbar nem um pouco com o perigo.
De cabelos também precocemente embranquecidos, estatura muito semelhante à de Amaral, havia nos perigos reais a presença jamais suspeitada de um dublê. Era o capitão Sérgio Miranda de Carvalho, o autor do gesto heróico de denunciar o brigadeiro João Paulo Burnier como responsável por um complô que pretendia, entre outras coisas, explodir um gasômetro no centro do Rio e lançar, de um avião para a morte no mar, d. Helder Câmara, políticos adversários da ditadura, líderes estudantis de 68, uma centena de pessoas.
Preso e excluído da Aeronáutica por sua denúncia, Sérgio Carvalho, que não era de esquerda como dele diziam os militares do regime, não conseguia nem emprego civil, estava nas piores dificuldades. Considerado pelos ex-companheiros como o pior inimigo do regime, salvou-o, por uns tempos, a semelhança física -e só física- com o então maior propagandista individual da ditadura.

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