São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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Japão ainda desconfia do Brasil depois de cem anos

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

Cem anos depois da celebração da amizade entre Brasil e Japão, ainda há uma grande distância no relacionamento comercial e econômico entre os dois países.
O Japão representa apenas 11% do comércio exterior brasileiro e o investimento japonês anual no Brasil é inferior a 3% de todo o investimento japonês no mundo.
O banqueiro Kohei Denda, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil e do Banco América do Sul, atribui à falta de conhecimento de parte a parte o nível modesto das relações econômicas entre Brasil e Japão.
Denda afirma que a comemoração do centenário da amizade pode ser um marco de uma virada histórica das relações econômicas nipo-brasileiras.
"O centenário acontece numa época em que a economia brasileira está mudando, se tivesse acontecido há dois anos, não teria o impacto que se pretende que tenha no aumento do comércio bilateral e investimentos no Brasil", diz.
Nos anos 70, houve um boom de investimentos japoneses no Brasil na exploração de recursos naturais, principalmente minérios.
Mas, assustados com a crise da dívida externa, que culminou com a moratória (suspensão dos pagamentos aos credores externos) e a inflação desenfreada nos anos 80, os japoneses foram buscar parcerias no EUA (45% dos investimentos japoneses) e na Ásia (20%).
O empresário Anselmo Nakatani, presidente da Furukawa e diretor para a Ásia do Departamento de Assuntos Internacionais da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), diz que a maioria dos empresários japoneses ainda não entende muito bem o Brasil e, por isso, acha que é arriscado investir no país.
Mas, para Nakatani, a comemoração do centenário da amizade, uma "idéia genial", pode encurtar a distância geográfica e cultural entre Brasil e Japão, que é uma barreira natural às relações econômicas entre os dois países.
Nakatani diz que a volta maciça de investimentos japoneses depende da confirmação, no próximo ano, do sucesso do Plano Real e das reformas constitucionais.
" O país está sob observação, acumulando gradualmente uma maior confiabilidade dos investidores japoneses", diz.
Nakatani diz que o "risco Brasil" (dúvidas quanto à segurança e rentabilidade dos investimentos) ainda é considerado muito alto pelos investidores japoneses.
"Os japoneses nunca se conformaram com os efeitos negativos da inflação e da correção monetária em seus investimentos no Brasil".
Segundo Nakatani, os japoneses se sentiam "garfados" pelas "complicadas" regras de aplicação da correção monetária nos balanços.
"Incapazes de entender a cultura inflacionária do Brasil, os japoneses tiveram a sensação de terem sido enganados por sócios brasileiros, já que viam sempre diminuir sua participação percental nas sociedades no país".
Um exemplo disso é o contencioso Brasil-Japão no caso da siderúrgica Usiminas, onde os sócios japoneses perderam grande parte de sua participação acionária.
Por isso, o embaixador Sumio Edamura, ex-diretor geral do Departamento de Assuntos da América Latina e do Caribe, do Ministério de Negócios Estrangeiros do Japão, propõe uma 'àmnésia" aos investidores japoneses.
"T preciso esquecer o passado e tentar vida nova".Para ele, a estabilidade da moeda, a desindexação e a abertura criam novas perspectivas para os negócios entre Brasil e Japão.
O empresário Luiz Fernando Furlan, presidente do conselho de administração da Sadia e diretor titular do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp, diz que há um enorme potencial para as relações econômicas entre os dois países.
"Brasil e Japão têm economias muito complementares. É uma parceria que poderia se desenvolver muito mais intensamente".
Para ele, os japoneses ficaram durante um bom período "magoados com o Brasil", porque tiveram surpresas desagradáveis em projetos conjuntos com estatais, principalmente na Usiminas e o programa de desenvolvimento dos cerrados.
'Às turbulências do mercado brasileiro, alta inflação e mudanças constantes nas regras do jogo acabaram dificultando esse relacionamento e os japoneses esfriaram", diz.
"Houve retração dos japoneses em diversos setores, um dos mais evidentes é a indústria automobilística onde a Toyota e Honda não fizeram investimentos significativos", afirma.
Furlan vê, porém, a volta de um clima favorável. "Isso é o resultado dos eventos comemorativos e da estabilização e abertura econômica no país, que estão proporcionando um conjunto novo de oportunidades".
O empresário Suminobu Fukushima, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil e conselheiro da Nissho Iwai do Brasil, diz que dois pontos são a base de decisão para aretomada dos investimentos japoneses no Brasil.
"Espera-se, em primeiro lugar, que a moeda brasileira se torne estável e forte, e, em segundo lugar que a carga tributária seja reduzida a níveis internacionais, o que tornaria os produtos brasileiros mais competitivos".
Fukushima diz esperar que os laços comerciais entre Japão e Brasil se estreitem e que as empresas japonesas aumentem seus investimentos no país.
Para tanto, diz, é necessário divulgar a nova imagem do Brasil através de eventos como a comemoração do centenário do Tratado de Amizade Brasil-Japão.
"Esses eventos procuram reforçar a idéia de que o passado deve ser esquecido e que o futuro do país se mostra realmente promissor".

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