São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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'Nunca fiz nada de que me arrependesse'

JOSÉ ARBEX JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Folha - O sr. vem insistindo na afirmação de que o Estado palestino será democrático e pluralista. Mas como o sr. pretende conciliar a democracia com a tradição teocrática do Islã?
Iasser Arafat - Você parece desconhecer alguns dos princípios mais importantes e fundamentais do Islã. Na nossa concepção, o verdadeiro Islã tem a sua principal plataforma na democracia, na tolerância para com aqueles que divergem. O Corão, nosso livro sagrado, afirma que a própria vida deve ser regida por esses princípios. Por isso, não há qualquer contradição entre a democracia e o Islã.
Folha - Mas como fica a separação entre Estado e religião?
Arafat - Para o Islã, o princípio da democracia e da tolerância deve ser aplicado em qualquer caso. O profeta Maomé mostrou que a verdadeira religião pressupõe princípios de tratamento igual e justo para todos, seja no âmbito dos indivíduos, dos povos ou das nações. Assim, a lei islâmica só tende a fortalecer as características democráticas do Estado.
Folha - Quando o sr. diz que Jerusalém deve ser a capital do Estado palestino, isso não será a demonstração de que o sr. parte de princípios religiosos e não estritamente políticos? Não há o perigo de que esta postura conduza ao impasse com Israel?
Arafat - Em primeiro lugar, vamos deixar claro que eu me refiro à parte oriental de Jerusalém, ocupada por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. O atual processo de paz tem sua base na Conferência de Madri, realizada em 1991, que se baseou numa iniciativa do então presidente dos Estados Unidos, George Bush. Qual era o sentido geral dessa iniciativa? Era o de trocar territórios pela paz. Nestes termos, Israel deveria ceder aos palestinos os territórios ocupados em 1967, tal como previsto pela ONU. Ora, a parte oriental de Jerusalém faz parte desses territórios. Pertence, portanto, aos palestinos.
Folha - Então o sr. aceitaria Jerusalém como capital binacional, de Israel e da Palestina?
Arafat - Israel tem a sua própria Jerusalém e nós temos a nossa. A vizinhança pacífica e harmoniosa entre árabes e judeus é possível e desejável, inclusive em Jerusalém. Não acredito na necessidade de nenhum muro separando as duas partes. Ao contrário, acredito que todos os problemas tenderão a ser resolvidos com os acordos de paz.
Folha - Mas não haverá o perigo de que um Estado palestino democrático e pluralista acabe criando uma turbulência indesejável para os vizinhos árabes, cujos regimes são, em geral, conservadores e autoritários?
Arafat - Desde o começo de nossa luta, construímos um sistema democrático, do qual muito nos orgulhamos. Praticamos a democracia em circunstâncias revolucionárias, extremamente difíceis, porque ela tinha de ser garantida numa situação em que estávamos todos armados. Apesar disso, os países árabes irmãos não se mostraram ameaçados ou descontentes com a nossa democracia. Além disso, não posso qualificar os regimes árabes da forma que você fez. Eles têm vários sistemas, com muitas virtudes, defeitos e diferenças entre si, tal como em qualquer outra região do planeta.
Folha - Como o sr. qualificaria, então, a atitude do governo da Líbia, que ameaçou expulsar 30 mil palestinos do país, em represália à assinatura dos acordos de 28 de setembro? Como o sr. encara a pressão de governos árabes que o acusam de traição?
Arafat - Eu espero que Muamar Gaddafi volte atrás em sua decisão. É uma medida unilateral, que ele resolveu tomar por conta própria, e que acrescenta mais sofrimento ainda ao já castigado povo palestino. Nós não merecemos isso. Mas quando o Conselho Nacional Palestino decidiu participar da Conferência de Madri, nós sabíamos que uma das etapas do acordo teria que ser a negociação com os governos árabes.
Folha - O que o sr. espera das eleições de janeiro de 1996, as primeiras a serem realizadas sob a Autoridade Palestina?
Arafat - As eleições serão livres, transparentes e democráticas, e acontecerão 22 dias depois que Israel completar o processo de retirada de tropas de todas as cidades, vilas e povoados da Cisjordânia. Se Israel cumprir os prazos do acordo, as eleições serão realizadas ainda em janeiro de 1996.
Folha - O que acontecerá se o Hamas ganhar ou conquistar posições importantes? Isso poderá colocar o acordo em risco?
Arafat - Você é contra a democracia?
Folha - Em hipótese alguma.
Arafat - Então como você pode colocar uma questão dessas? Se acreditamos na democracia, temos que respeitar aquilo que as urnas disserem. Nós vamos aceitar a disputa política, no marco das leis vigentes. Há setores crescentes do Hamas favoráveis à disputa política no marco institucional. Em geral, o Hamas está na corrente da democracia e da liberdade.
Folha - E se o Likud vencer as eleições em Israel? Isso poderá abalar as conversações?
Arafat - No fundo, é a mesma questão da democracia que você está colocando. Antes de mais nada, você deve notar que o acordo não foi formulado por indivíduos, partidos ou facções políticas. Foi um acordo entre o governo de Israel e a Organização para a Libertação da Palestina. Não será o resultado eleitoral que impedirá o curso desse processo.
Folha - Antes da assinatura dos acordos de 28 de setembro, o sr. se queixava de que Israel estava protelando o cumprimento das medidas acertadas. A sua avaliação ainda é esta?
Arafat - Sem dúvida, os israelenses continuam com uma política de protelar o cumprimento daquilo que foi acertado. É fundamental, é crucial para o sucesso das conversações que Israel implemente os acordos de uma forma honesta, exata e acurada.
Folha - A protelação pode prejudicar as conversações?
Arafat - Definitivamente, sim. A demora no cumprimento dos acordos é o maior estímulo aos grupos radicais de oposição.
Folha - O sr., aos 66 anos, sente-se cansado? Já pensou em se retirar da cena política?
Arafat - Cansado? Não, eu não estou cansado. Isso não seria digno do espírito de luta e resistência que o povo palestino vem mostrando ao longo dos anos.

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