São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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Cansaço atinge líder palestino

JOSÉ ARBEX JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entrevistei Iasser Arafat, para a Folha, em dois momentos cruciais de sua vida. O primeiro foi durante a Guerra do Golfo, em Amã (Jordânia), em 17 de fevereiro de 1991. O segundo foi ontem, em Brasília, 20 dias após a celebração dos históricos "acordos de Taba" (cidade egípcia onde foram realizadas as conversações).
Em 1991, Arafat parecia liquidado politicamente. Sua oposição à intervenção da força multinacional contra Saddam Hussein o isolava, mesmo dentro do mundo árabe. Além disso, o radicalismo palestino inflado pela Intifada (revolta das pedras) ameaçava roubar-lhe as bases políticas organizadas em torno da OLP.
O ambiente que o cercava era composto por uma mistura de amor fanático dos aliados e medo de atentados dos opositores. Arafat sobreviveu a pelo menos 40 tentativas de assassinato -que incluíram complôs de rivais dentro da própria OLP e operações gigantescas, como o cerco a seu quartel-general em Beirute, promovido por Israel, em 1982.
Mesmo nesse quadro, Arafat afirmou -e a Folha deu como manchete- que o Estado palestino seria construído. Mais ainda: disse que isso era condição indispensável para a paz no Oriente Médio.
À época, tive a impressão de que Arafat estava tomado por uma espécie de alucinação. Nada do que ele dizia encontrava eco na realidade imediata. Preferi, então, encarar o seu otimismo como uma tábua de salvação psicológica: o presente era tão negro que só restava apostar no futuro.
Quatro anos depois, Arafat -Nobel da Paz em 1994, com Shimon Peres e Yitzhak Rabin- é um líder respeitado no mundo inteiro. Os "acordos de Taba", que ampliaram para toda a Cisjordânia (além de Gaza) o território sob jurisdição da Autoridade Palestina, concretizaram mais do que nunca a perspectiva de fundação de um Estado palestino.
Bem, vamos relativizar esta última afirmação: qualquer outro líder no lugar de Arafat teria todas as razões para estar pessimista quanto ao futuro Estado palestino.
Afinal, sua base territorial -a superpovoada faixa de Gaza (360 km2, 660 mil habitantes) e a Cisjordânia (5.880 km2, 970 mil habitantes)- reúne uma das populações mais pobres do mundo. Durante os 28 anos em que manteve aqueles territórios sob ocupação, Israel não fez qualquer investimento produtivo ou social. Os palestinos têm de começar do zero.
Sobram problemas -da falta de escolas e hospitais à presença de colonos judeus que insistem em permanecer na Cisjordânia (como é o caso dos 400 da cidade de Hebron), passando pelos radicais do Hamas, que não querem acordo.
Apesar de negá-lo, Arafat está cansado. Perde o humor com muito maior facilidade do que há quatro anos. Está irritadiço, tenso. As causas são óbvias, ainda mais considerando seus 66 anos.
Nesse quadro, falar na formação de um Estado é prova de um otimismo que, novamente, parece beirar a loucura. Mas, aparentemente, nada parece abalar a fé de Arafat na fundação da Palestina. Desta vez, eu prefiro levar mais a sério suas previsões.
(JAJr)

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