São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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A nova Lei de Imprensa

FERNANDO ERNESTO CORRÊA

A atual Lei de Imprensa (lei nº 5.250/67), editada durante o regime militar, não é boa nem democrática. Em vez de regular as relações dos veículos de comunicação com a sociedade, não passa de um estatuto de proibições e restrições com o visível intuito de evitar críticas ao governo. O dispositivo que impede o veículo ou o jornalista de provar a veracidade de acusação feita ao presidente da República, aos presidentes do Senado e da Câmara e aos ministros do STF é um exemplo eloquente.
Diante dessa realidade, dois caminhos poderiam ter sido escolhidos para corrigi-la. Revogar simplesmente a Lei de Imprensa, remetendo à lei penal comum o julgamento dos eventuais crimes contra a honra praticados por meio da mídia. Ou fazer uma lei nova, moderna e eficiente, capaz de melhor resolver esses litígios.
Confessamos que a ANJ discutiu longamente essa questão preliminar e, quanto a ela, não houve consenso. Companheiros se inclinaram pela posição das entidades internacionais -SIP e Fiej- no sentido de condenar uma lei especial. A mera existência de uma lei especial já é considerada por essas entidades como um cerceamento da liberdade de expressão.
A maioria, porém, entendeu que, face à especificidade de nosso trabalho, no qual a luta contra o tempo é um componente fundamental, o mais coerente seria uma nova Lei de Imprensa.
Vencida essa etapa, passamos a oferecer nossos subsídios aos senadores e deputados mais próximos ao projeto básico, oriundo do Senado Federal e de autoria do ilustre jurista Josaphat Marinho. De resto, assim procederam diversas outras entidades empresariais e profissionais do setor, assim como representações da chamada sociedade civil.
A discussão do projeto, ao longo de cinco anos, tem sido ampla e democrática tanto no Senado, sob a coordenação do relator José Fogaça, como agora na Câmara, sob os auspícios do deputado Pinheiro Landim, designado relator da matéria na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática.
O deputado Pinheiro Landim vem se ocupando prioritariamente do projeto, tendo realizado sucessivas discussões, debates e audiências públicas com toda a sociedade. O projeto, pois, está sendo discutido, a toda evidência, de forma lúcida e transparente e dele a mídia se ocupa de maneira adequada e na razão de sua importância e de seu desdobramento.
Quanto ao mérito, o primeiro substitutivo do relator na Câmara, sujeito a correções e aperfeiçoamentos mercê das contribuições de outros parlamentares, é promissor. Não é uma peça perfeita e acabada e, por certo, a ninguém agrada integralmente. É contudo o resultado de um árduo trabalho, não na busca da perfeição absoluta, mas na direção do que é possível fazer.
Sem dúvida, é melhor do que o texto aprovado no Senado, que, por sinal, já representava um inegável avanço em relação à lei atual.
Mantém as linhas mestras do substitutivo do senador José Fogaça até mesmo por uma questão de ordem prática. A Constituição Federal (artigos 65 e 66) e o regimento do Congresso Nacional estabelecem uma precedência para a Casa de origem. As alterações que a Câmara vier a fazer no substitutivo Fogaça voltam para o Senado, que poderá confirmá-las ou simplesmente rejeitá-las, restabelecendo o texto anteriormente aprovado. Daí que fazer tábula rasa do texto do Senado ou modificá-lo substancialmente não passaria de pura demagogia e de "jogo para a torcida".
Em três pontos vitais, pelo menos, o primeiro trabalho do deputado Pinheiro Landim merece nossa aprovação.
Substitui a pena privativa da liberdade por penas pecuniárias e serviços comunitários. Queremos privilégios? A pessoa que chama injustamente seu vizinho de ladrão vai para a cadeia e o jornalista ou diretor do veículo que ofende uma autoridade ou um político paga multa. Parece uma discriminação, mas não é. Ao contrário do que se pode supor, a razão está do outro lado.
Nove em cada dez processos por crime de imprensa prescrevem, não havendo na prática a responsabilidade do pretenso ofensor. Isso acontece porque a imensa maioria dos juízes sente-se constrangida de mandar para a cadeia autor de delito de opinião, cometido no exercício de um trabalho no qual a pressa é um componente muito importante e a investigação nunca pode ser absoluta.
Ademais, sendo seu dever diário a busca e a transmissão de informações, o que não ocorre com as demais pessoas, aumenta a margem de erro a que os jornalistas estão sujeitos. A impunidade, portanto, com a adoção de multas e serviços comunitários, vai diminuir muito, talvez desaparecer.
O limite para as indenizações por dano moral é um necessário complemento ao exercício da liberdade de imprensa, tão fortemente gizada em nossa Constituição. Também é um freio para indenizações despropositadas, fixadas arbitrariamente pelo Poder Judiciário, algumas delas na defesa da própria corporação ou da imagem de juízes, capazes de levar à falência jornalistas e a quebrar empresas de comunicação. Esse não pode ser o objetivo de uma pena pecuniária para reparar eventual dano moral.
O exemplo caótico que os EUA nos dão, onde indenizações de toda a ordem e de toda a magnitude estão transferindo uma insegurança total nas relações entre os americanos, precisa ser considerado para que aqui não venha a ser repetido.
Não sabemos se os limites do primeiro substitutivo do relator na Câmara são os melhores. Talvez possam ser aprimorados, levando-se em conta a capacidade de pagar do autor ou o faturamento do veículo. De qualquer sorte, entendemos salutar e oportuna a fixação de um teto para as indenizações cíveis por delito de imprensa.
Surpreende-nos que entidades profissionais, tão ciosas na defesa da remuneração dos jornalistas e na ampliação do mercado de trabalho, sejam contra o limite para as condenações cíveis, o que poderá levar os veículos ao enfraquecimento econômico ou até mesmo à bancarrota. É um paradoxo!
O substitutivo do deputado Pinheiro Landim, corroborando indicação já feita pelo Senado, traz um terceiro e grande avanço no capítulo do direito de resposta e que é o atendimento de uma reivindicação da sociedade.
Observa fundamentos e regras que tornam a retratação e a resposta objetivas e céleres, de sorte que a correção de um eventual exagero ou equívoco se faça de forma contemporânea ao fato. Não vai mais se levar um ano entre o agravo e a reparação via direito de resposta, o que muitas vezes torna o exercício dessa prerrogativa legal sem nexo e intempestivo.
Enfim, distante do ideal -impossível de se obter em assunto tão polêmico-, o trabalho até agora desenvolvido pela comissão temática da Câmara no exame da matéria leva-nos à expectativa de que estamos no limiar de uma Lei de Imprensa moderna e democrática, à altura do desenvolvimento técnico e da estatura ética dos veículos de comunicação do país.

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