São Paulo, sábado, 21 de outubro de 1995
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Sigilo e Poder Judiciário

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O sigilo bancário é cláusula imodificável da Constituição Federal (artigo 5º inciso XII) por estar no elenco das denominadas normas pétreas, isto é, daquelas normas supremas que não podem ser objeto de emendas tendentes a abolí-las (art. 60, parágrafo 4º, inciso IV).
A pendência jurisprudencial anteriormente à lei máxima vigente conformou a possibilidade de quebra do sigilo apenas com autorização judicial, desde que fundamentada sua necessidade. Tal orientação do Poder Judiciário, que é poder técnico e neutro, ao contrário do Legislativo e do Executivo, que são políticos, manteve-se à luz da atual Carta com o que, a meu ver, mantém equilibrada a preservação dos direitos individuais e do interesse público.
A jurisprudência dominante estendeu ao Ministério Público o direito de quebrar o sigilo de instituição estatal.
Essa interpretação moderada do texto constitucional, em verdade, não é criação do direito pátrio, inúmeros países permitindo o afastamento do sigilo bancário desde que estejam em jogo o superior interesse público, como o combate ao narcotráfico ou à corrupção.
Além dos magistrados, têm o direito de determinar a quebra do sigilo bancário as CPIs do Congresso Nacional (art. 58, parágrafo 3º), visto que seus poderes investigatórios são idênticos aos do Poder Judiciário.
Nesse quadro causou espécie a proposta governamental de abertura do sigilo bancário sem as salvaguardas reconhecidas pelo Poder Judiciário, embutida na sua proposta de reforma tributária, tanto mais que já fora, nessa mesma sessão legislativa, rejeitada emenda com idêntica matéria (reforma previdenciária).
Ora, segundo o parágrafo 5º do artigo 60 da "lex maxima":
"A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa".
À evidência, a inconstitucionalidade é manifesta.
Foi portanto surpreendente que a Comissão de Constituição e Justiça se tivesse despido de sua discreta roupagem técnica para adornar-se com fantasiosa vestimenta política, pisoteando, por ignorância ou conveniência, o artigo 60, parágrafo 5º, da Constituição Federal, o que abrirá campo, se aprovada, a todas as violências e perseguições possíveis por parte dos detentores do poder sem o sábio controle do Judiciário.
O regime atual sobre o sigilo bancário, em que os direitos individuais e o interesse público são preservados, é bom, mas poderá ficar sensivelmente maculado pela deletéria e corrosiva emenda constitucional.

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