São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Brasil assinou acordo que dificulta corte de servidor

SHIRLEY EMERICK
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No início deste ano, o governo brasileiro firmou com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o compromisso de respeitar acordo internacional que dificulta a demissão de empregados. Esse instrumento jurídico pode ser mais um complicador para o presidente Fernando Henrique Cardoso implementar sua reforma administrativa.
A OIT é o organismo da Organização das Nações Unidas que trata das relações trabalhistas.
A Convenção 158, que tem o Brasil como um de seus signatários, limita a demissão com justa causa aos casos de incapacidade, mau comportamento ou necessidade de viabilizar o funcionamento de empresa ou serviço.
Essa e as demais regras do acordo valem para todos os trabalhadores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A reforma administrativa proposta pelo Palácio do Planalto prevê que a maioria dos funcionário públicos, hoje sob as regras do RJU (Regime Jurídico Único), passe a seguir a CLT. Além disso, estabelece que o governo possa promover demissões por excesso de quadros ou conforme avaliação de desempenho do funcionário.
Segundo o projeto, só os servidores das chamadas carreiras típicas de Estado (diplomatas e policiais, por exemplo) devem ter direito à estabilidade no cargo.
O RJU é o conjunto de normas sobre os direitos e deveres do funcionalismo público. Ele estabelece, por exemplo, os critérios para um servidor se tornar estável.
A CLT é o conjunto de leis que regulam as relações trabalhistas entre empregadores e empregados, em especial na iniciativa privada.
O texto da Convenção 158 foi apresentado pela OIT em sua conferência de 1982. A partir disso, os países membros decidiriam se assinariam ou não o compromisso de respeito às suas regras.
No Brasil, o texto foi encaminhado ao Congresso somente em 1992. Compete aos congressistas decidir sobre a adoção dos acordos internacionais.
A Convenção 158 foi aprovada por meio de um decreto legislativo. Depois o texto foi encaminhado ainda no governo Itamar Franco (1992-1994) à OIT e reconhecido em 5 de janeiro de 1995.
O decreto legislativo só vai se tornar lei um ano após esse reconhecimento. Ou seja, o texto ganha caráter de acordo internacional a partir de janeiro do ano que vem.
Pela convenção, o trabalhador tem a garantia de se defender caso o patrão apresente acusações contra o seu comportamento ou desempenho. Se a queixa for feita após a demissão, ele poderá questionar a empresa ou o órgão público na Justiça do Trabalho.
Isso significa que, uma vez demitido, o funcionário pode exigir nos tribunais que o prefeito, o governador ou o ministro comprove os motivos da demissão, não importando se ela foi por excesso de quadros ou incompetência. O ônus da prova é sempre do empregador.
A validade jurídica do acordo no Brasil é polêmica entre os advogados. Na opinião de José Alberto Couto Maciel, especialista em assuntos trabalhistas, a Convenção 158 vai inviabilizar o processo de reestruturação do setor público. "Ela concede garantias no emprego, impedindo demissões arbitrárias. Não deixa de ser uma estabilidade", afirmou.
Segundo Maciel, a Constituição obriga o Brasil a reconhecer os tratados internacionais que assina.
Já Octávio Bueno Magano avalia que o texto da OIT não tem eficácia porque a Constituição brasileira exige que o tema seja regulamentado por lei complementar. Ele lembra que a própria Carta, em seu artigo 7º, protege o trabalhador contra demissão arbitrária.
Entre os direitos do trabalhador a Constituição cita "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
O dispositivo não está em vigor por falta de lei complementar, que, segundo o advogado, não pode ser substituída por convenção internacional.
Se uma vítima de demissão arbitrária recorrer à Justiça com base no tratado da OIT, disse Magano, caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre a eficácia ou não do acordo internacional.

Colaborou a Redação

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