São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995 |
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Última moda
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Assim como o cinema americano, os responsáveis pelo negócio “fashion” conseguem entupir jornais e revistas a cada nova estação, quando incontáveis costureiros lançam coleções que devem ser encaradas como atestados de obsolescência de tudo aquilo que vigorava há seis meses. Não há imaginação -e atenção- que resista: duas vezes por ano pula-se do étnico para a década de 60, volta-se ao romantismo, elege-se o prático, cultua-se o casual, redescobre-se o arrojado e muda-se para o rococó.... No Brasil, o negócio está no auge. Surgem mais modelos do que jogadores de futebol e não há um dia sem foto ou imagem na TV de uma mulher na passarela. Os desfiles locais intercalam-se aos europeus e vão criando uma barafunda de panos e corpos, de imagens que, pela repetição, acabam perdendo nitidez e refletindo mesmice. Pegue uma foto da Naomi Campbell, por exemplo, de três anos atrás, publique no jornal de hoje e diga que é do desfile de ontem de Milão. Ninguém, salvo poucos especialistas, deixará de se fascinar com a “última moda”. A imprensa quase nada faz para destrinchar esse festival de roupas, caras e cores. Poucos assuntos são tratados tão deslumbrandamente por jornais, revistas e televisão quanto os shows de moda europeus. Na TV, os textos que acompanham a imagens -na linha “fulano mostrou que ousadia e estilo podem conviver com charme”- servem para qualquer passarela em qualquer época. Em jornais e revistas, apesar das tentativas (algumas bem sucedidas, outras nem tanto), o tom geral é de alegre aderência. Quase sempre acha-se o máximo o que a indústria espera que se ache o máximo. Facilmente todos se convencem, hoje, de que faz sentido, realmente, voltar ao jeito dos anos 60 -da mesma forma que acatarão sem problemas, daqui a seis meses, a nova “tendência”. Essa moda, crescentemente organizada em grande indústria, vem perdendo suas relações com a vida social real e transformando-se, como nunca, em artificialismo fugaz de consumo. E aqui, quase sempre, importa menos a roupa do que a etiqueta -um dos truques é transformar costureiros em “gênios” que podem dar à sua saia a aura de um Van Gogh. Não que não possa existir no meio alguém comparável a um bom artista. Mas são pouquíssimos. Issey Miyake, hoje é possivelmente o único, com criações que ignoram discussões do tipo qual deve ser o comprimento da saia ou para que época voltamos. Essas discussões, que dão a impressão de que algo acontece, apenas realçam o vazio de uma produção que, pelo menos desde os anos 80, pouco ou mais fez do que visitar outras décadas -sinal da incapacidade de refletir seu tempo. Ou quem sabe, de fazê-lo. Mas, ao menos, não corremos o risco de uma volta aos 80 e 90. Texto Anterior: Brasil assinou acordo que dificulta corte de servidor Próximo Texto: SP não sabe de quantos servidores precisa Índice |
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