São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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CPMF é questão ética, afirma Jatene

ALEXANDRE SECCO
1DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de seis meses de pregação pela CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), o ministro da Saúde, Adib Jatene, conseguiu sua primeira vitória na semana passada, com a aprovação do imposto pelos senadores em primeiro turno.
Ele diz que o dia-a-dia o preocupa e acha que o assunto CPMF já está tomando mais tempo do que ele gostaria. Mas confia também na sua aprovação pelos deputados -a contribuição tem de ser submetida a mais uma votação no Senado e outras duas na Câmara.
A CPMF é a nova versão do extinto IPMF (Imposto Provisório Sobre Movimentações Financeiras). Funcionará do mesmo jeito, recolhendo 0,25% de cada transação bancária de saque, depósito ou transferência financeira.
Jatene acha que a CPMF é uma questão de “ética, cidadania e solidariedade”, práticas a que os brasileiros “não estão muito acostumados”. Para o ministro, cuja prioridade é ajeitar as finanças do ministério, os economistas do governo têm dificuldades para perceber os problemas da saúde.
Não é porque não queiram, diz Jatene, é que “eles (os ministros) estão acostumados a viver em capitais, a lidar com outra faixa de gente”.
Ele filosofa sobre as funções da saúde pública, por exemplo, único serviço que se presta de graça até aos inimigos, único serviço no qual o Estado investe fortunas em um trabalhador para que ele volte a ganhar um salário mínimo.
Um operário que ganha um salário mínimo teria que trabalhar 35 anos e economizar tostão por tostão para pagar um transplante de coração. Bem ou mal, se conseguir uma vaga, o Estado paga por esse transplante, não cobra nada.
“Saúde não pode ser vista pelos números, saúde é qualidade de vida”, diz o ministro. No Brasil a rede pública paga por 50 mil procedimentos cardíacos por ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista que o ministro da Saúde concedeu na quinta-feira passada em seu gabinete:

CPMF
Se você pedir, qualquer comerciante dá um desconto de 1%. Nós estamos pedindo 0,25%. É muito pouco. Em qualquer lugar as pessoas estão acostumadas a dar R$ 5 para o sujeito guardar o carro.

SOLIDARIEDADE
Esse imposto é uma questão de solidariedade. É uma questão de ética. Está faltando para a sociedade esta consciência ética, está faltando cidadania. No Brasil, está faltando essa consciência para as pessoas.

QUALIDADE DE VIDA
A saúde é a única área que investe fortunas em um sujeito para que depois ele volte a ganhar um salário mínimo. A função da saúde é essa mesma. É qualidade de vida. Não dá para ver a coisa apenas por meio dos números, fica muito frio. A saúde investe até nos inimigos. Quando um doente cai prisioneiro, durante uma guerra, ele também é tratado.

FILOSOFIA
Esta batalha (pelo CPMF) tem sido muito difícil, o dia-a-dia me deixa muito preocupado. Depois de muitas batalhas você acaba filosofando. Eu estou me sentindo um pouco filósofo.

SUS
Lembro de uma visita à favela do Buraco Quente (zona sul de São Paulo), quando eu era secretário de Saúde. Uma mulher estava com o marido no chão. Perguntei a ela por que não o levava a um hospital. Qual hospital vai atender ? -ela perguntou. Na verdade, ele não tinha direito a nenhum hospital. Quando não havia o SUS (Sistema Unificado de Saúde), as pessoas precisavam de uma carteirinha para ter atendimento.

ECONOMISTAS
As pessoas da equipe econômica não sentem essas dificuldades (dos favelados). Convivem com outra faixa de gente. Eles não sentem os problemas da saúde, não é porque não queiram. É que isso está muito longe deles.

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