São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Religiosos baianos dizem que há tolerância e respeito mútuo

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Na Bahia, a relação entre os seguidores das diversas religiões é marcada por relativa tolerância e respeito mútuo. A existência de conflitos não chega a evoluir para um confronto aberto.
Essa opinião é compartilhada por dom José Antônio, bispo auxiliar de Salvador, pelo pai-de-santo Aristides Mascarenhas, diretor da Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros, e pelo bispo da Igreja Universal do Reino de Deus na Bahia, Jorge Cunha.
"Tenho vizinhos protestantes que passam lá em casa e dizem: 'Seu Ari, vamos embora se converter'. Aí eu respondo: 'Venham para cá para eu raspar a cabeça de vocês e iniciá-los no candomblé"', conta entre risadas Mascarenhas, conhecido como Pai Ari.
"Nossa convivência com todas as religiões é de diálogo e de respeito", afirma o bispo José Antônio, da Igreja Católica.
Para o bispo da Igreja Universal, Jorge Cunha, cultos como o do candomblé são "coisas do demônio", mas a convivência entre os fiéis de uma e outra religião "não tem nada de mais".
Indagado se ele poderia ter como amigo um pai-de-santo, o bispo Cunha responde com exaltação: "Mas é claro! Eu tenho muitos amigos que são incrédulos".
Existem na Bahia 3.042 terreiros (locais para prática do culto) registrados na Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros.
O número de igrejas católicas em Salvador é 320. No Estado não se sabe ao certo, mas a estimativa é de que não passe dos 2.000.
"É grande o número de pessoas que transitam entre uma e outra religião. O sujeito sai de uma missa na Igreja Católica e vai para um terreiro de candomblé", diz o antropólogo Júlio Braga, especialista em cultura afro-brasileira.
Essa relação teve sua origem no período de escravidão, quando, proibidos de cultuar suas divindades, os escravos fundiram os deuses e mitos ancestrais africanos com os santos da Igreja Católica.
O sincretismo afro-católico levou, então, a que alguns santos fossem reverenciados como se fossem as divindades dos escravos.
Assim é que Nossa Senhora da Conceição tornava-se Iemanjá, a rainha das águas salgadas. Santa Bárbara era Iansã, orixá das tempestades. São Jorge tornava-se Oxóssi, deus das matas.
As restrições aos cultos afro continuaram mesmo com o fim do período da escravidão.
Até 1946, a celebração era proibida por lei. Há apenas 21 anos, os cultos afro ainda eram caso de polícia: o registro de um terreiro era feito na delegacia de costumes. Hoje, o registro é feito na Federação Baiana.
Há sete anos, o cardeal de Salvador, dom Lucas Moreira Neves, hoje presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), criticou o ritual de lavagem da igreja do Senhor do Bonfim, feita anualmente por integrantes dos cultos afro.
Para ele, o lado profano da manifestação estava invadindo o terreno do religioso. Hoje, segundo o bispo dom José Antônio e o babalorixá Mascarenhas, o episódio está superado. A lavagem continua sendo feita.

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