São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Globalização do crime

ANTONIO KANDIR

Chegam nesta semana a São Paulo, para uma série de palestras, três personalidades da luta contra a máfia na Itália: o deputado Pino Arlacchi, vice-presidente da comissão antimáfia do parlamento italiano, o juiz Gianni Cesini e Maria Falcone, irmão de Giovanni Falcone e presidente do instituto que leva o nome desse mártir da luta contra o crime organizado naquele país.
Seria reconfortante se pudéssemos escutá-los com ouvidos de quem escuta um assunto remoto. Mas não podemos, pois o crime organizado é hoje um fenômeno global e o Brasil, há evidências de sobra, ocupa lugar importante nas estratégias dos cartéis internacionais.
Essas são organizações bem mais complexas e poderosas que aquelas que nos acostumamos a ver nos filmes de Coppola e Scorsese, onde aparecem organizações arcaicas, operando em mercados locais precariamente interligados e explorando ainda timidamente o tráfico de armas e drogas.
Nada mais contrastante com os cartéis internacionais do crime, criaturas nutridas pela franca globalização do capitalismo e, mais recentemente, pela decomposição da União Soviética, processo que introduziu novos atores e novas possibilidades de expansão para o crime internacionalizado.
Atuando em escala mundial, aproveitando-se da explosão do consumo de drogas nos países centrais e da crescente demanda subterrânea por armamentos no mercado mundial, algumas dessas organizações acumularam tamanhos recursos financeiros e de poder, sobretudo força bélica, que se tornaram verdadeiros Estados paralelos em alguns países.
Neles, estabeleceram suas bases de operação. As causas podem ser a proximidade da fonte de matéria-prima, existência de um mercado consumidor importante ou localização estratégica na logística do tráfico, mas nenhuma dessas causas subsistiria não tivesse o crime organizado, nesses países, conseguido enraizar-se na sociedade e penetrar as instituições políticas.
Os efeitos do enraizamento são vários, mas no essencial convergem para a destruição irreparável de três pilares da civilização ocidental moderna: o Estado de Direito, por tornar norma a violação de garantias individuais; a democracia, por submeter à coação tanto a escolha eleitoral quanto o processo de deliberação sobre políticas públicas; e o mercado, por introduzir a eliminação física como elemento constitutivo da concorrência.
Em comparação com outros países latino-americanos, pode-se argumentar que o Brasil está em melhor situação. São patentes, no entanto, nossas fragilidades materiais e institucionais frente às sofisticadas estratégias do crime internacional organizado, quer no campo da defesa nacional e da segurança pública, quer no campo da fiscalização e apenamento de crimes de natureza fiscal e financeira.
A preocupação com o problema não pode e não deve continuar restrita aos círculos, civis e militares, mais ligados às decisões de governo. Para enfrentá-lo, é preciso ativar todos os anticorpos da sociedade brasileira. E não há meio melhor de começar a fazê-lo do que tornar o assunto objeto de amplo e democrático debate nacional.

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