São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Argentina sofre de "Cavallo-dependência"

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na última reunião do FMI (Fundo Monetário Internacional), há duas semanas, em Washington, o ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, mostrou-se mais uma vez um adepto contumaz da sedução internacional.
Mas, dessa vez, a insegurança com os rumos do modelo argentino e do ministro que lhe empresta o nome parecem resistir como um vírus desconhecido. Ao longo da última semana voltaram os temores.
A permanência do ministro Cavallo no cargo confunde-se com a sobrevivência do modelo. Para alguns economistas, o próprio ministro vem tratando de introduzir algumas mudanças na estrutura da economia com o resultado, premeditado ou não, de aumentar a "Cavallo-dependência".
Esta é a análise que constava já da edição de setembro do informe econômico do escritório "Consultores Econômicos de Empresas Industriais" (Cedei), de Buenos Aires.
A imagem usada é a do ciclista que, na iminência de cair, pedala com força redobrada. Fragilizado politicamente, Cavallo introduziu modificações na regra de conversibilidade que, a pretexto de aliviar o impacto recessivo da política econômica, aumentam a fragilidade do sistema.
Na hipótese de incerteza explosiva associada à saída do ministro, essas providências acelerariam fortemente a fuga de capitais "financiada com requisitos de liquidez para os bancos mais flexíveis que os depósitos por encaixes".
É uma hipótese, ou crítica, bastante grave. Vêm imediatamente à memória episódios parecidos na história econômica argentina, especialmente sob Martinez de Hoz, em que o Estado simplesmente financiou uma fuga de capitais sem precedentes.
A outra parte da estratégia de sobrevivência de Cavallo está diretamente associada ao acordo com o FMI. Para atingir as metas de equilíbrio fiscal, Cavallo conseguiu a proeza de fechar um acordo com o Fundo Monetário Internacional em que o orçamento se equilibra através de um empréstimo-ponte que antecipa a receita a ser obtida no ano que vem com a privatização da usina de Yaciretá.
É como se Cavallo tivesse conseguido para a Argentina uma operação do tipo "ARO" (antecipação de receita orçamentária), dessas que o governo do Estado de São Paulo conseguiu há alguns anos por meio do Banespa e que muitos consideram causa importante da quebra do banco estadual. É credibilidade para ninguém botar defeito.
Sem ter concluído o saneamento do sistema financeiro, o ministro dobrou a aposta ao substituir as reservas bancárias por um sistema de "requisitos de liquidez" nos bancos muito mais flexível (e que inclui a remuneração dos fundos que os bancos imobilizam para garantir a solvência de suas operações).
Uma parte significativa desses recursos, agora remunerados, poderá obter esse rendimento comprando títulos do próprio banco central (Letras de Liquidez Bancária).
Assim, no banco central deixam de existir encaixes bancários aos quais por lei deveria corresponder um volume equivalente de reservas internacionais. Mas o banco central mantém em seu poder as reservas em moeda forte.
Como que por mágica, conclui o Cedei, melhora a relação de conversibilidade. Na realidade, entretanto, é uma melhoria ilusória.
É uma forma bastante ardilosa de sugerir flexibilidade, mas, na prática, aumentar a debilidade do regime de conversibilidade. O sistema financeiro argentino, com mais crédito sob o mesmo volume de reservas, fica mais exposto a corridas especulativas como a que vitimou o peso mexicano.
Para complicar, espera-se a divulgação, até meados de novembro, de novos dados sobre o desemprego argentino. Fala-se em taxas talvez superiores a 20%. Ou seja, além de fragilizar a conversibilidade, pode não haver tempo hábil para que essas medidas de Cavallo consigam reduzir o sabor amargo da recessão.

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