São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Do que ri o presidente?

LUÍS NASSIF
DO QUE RI O PRESIDENTE?

A semana passada mereceu comemoração cívica. A dívida interna bateu nos US$ 100 bilhões. Houve crescimento de 30% em apenas quatro meses. Parte devido à acumulação de reservas cambiais. Parte devido aos juros.
Apenas no último mês, o aumento da dívida mobiliária interna foi de 6,7% -o equivalente a quase uma Vale do Rio Doce em apenas um mês. Sem contar dívidas contratuais e de Estados e municípios.
Será que nenhuma das lições do passado foi aprendida? Durante os anos 80 e os 90, o país pagou sucessivamente contas que eram sempre lançadas para a frente por governantes inescrupulosos.
A cada interferência na economia, consumiam-se bilhões de dólares, em um experimentalismo nocivo, irresponsável, de quem trata dinheiro público como um detalhe irrelevante.
No início dos 80, a prefixação do câmbio e da correção monetária desmoralizou os títulos públicos, levando à dolarização da dívida, com custos enormes para o Tesouro.
Em 1985, um experimentozinho de nada da equipe do então ministro Francisco Dornelles -uma fórmula de indexação que levava em conta a inflação de três meses- provocou prejuízo de US$ 1 bilhão para a Caixa.
Em 1986, a fórmula de conversão dos contratos do Sistema Financeiro da Habitação acrescentou mais US$ 10 bilhões às contas públicas.
Em 1988, políticas de juros sucessivas foram pingando bilhão atrás de bilhão no passivo público. Essa escalada louca teve que ser interrompida por um calote, bancado pelo conjunto dos investidores.
Ciranda
Paga a conta, volta-se à mesma ciranda irresponsável de lançar a conta para frente. Quando se pensava que a eleição de Fernando Henrique Cardoso representaria o fim desse saque contra o futuro, recomeça-se o mesmo jogo.
Em maio, a coluna foi enfática, ao alertar para a irresponsabilidade da política monetária. "É preferível errar por excesso do que por insuficiência", diziam os sábios que projetaram o real. Como sua carreira foi feita na academia, jamais tiveram que correr atrás de poupança para concretizar seus projetos. Não aprenderam a valorizar o mais escasso dos insumos do país -o capital, principalmente no setor público.
Agora, mês após mês, dia após dia, concretiza-se o cenário traçado pela coluna em maio. Setor privado desarticulado, desemprego, concentração de renda, Estados quebrados, dívida interna explodindo, contas externas sustentadas exclusivamente pela recessão. E para quê?
A coluna poderia se regozijar por ter acertado suas previsões, contra a superficialidade de certa mídia chapa-branca. Mas preferia ter errado nas suas suposições sobre a leviandade da política monetária.
No ano que vem, é bem possível que se retome o crescimento, por conta do volume de recursos que procura o Brasil. O duro nessa história é que o dinheiro poderia ter vindo sem essa extraordinária dose de sacrifício imposta ao país e às contas públicas.
Resta a sensação de que, quando ri de contentamento, o presidente pensa em seu neto. Sabe que, além de herdar seu sobrenome, herdará também as dívidas que o avô está acumulando.

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