São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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A pasteurização do conto de fadas

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cinderela não é mais aquela. Pois esse, que é o mais popular conto de fadas da história da humanidade, tornou-se também o grande clichê da civilização ocidental. Nos EUA, a Gata Borralheira virou tema comercial televisivo de sabão e cera de chão. Virou desenho animado adocicado de Walt Disney, no qual o foco narrativo é a esperança de que "um dia o príncipe virá". Tornou-se uma narrativa padrão, esvaziada de contexto, de ideologia, de estilos autorais.
Como diria o teórico francês Roland Barthes, o conto de fadas foi mitificado, porque sua razão de ser foi apagada e o que sobrou foi um esqueleto descontextualizado.
No entanto, historicamente, como demonstra o folclorista norte-americano Alan Dundes, Cinderela conta com mais de 400 versões, escritas por autores diferentes, espalhados por vários cantos do mundo -já no período pré-medieval.
Há versões de sociedades matriarcais muçulmanas, nais quais cabe à menina Cinderela humanizar um homem que se encontra em estado bestial. Há uma versão chinesa de 850 a.C., em que a pobre garota Yeh-hesien conquista seu príncipe vestida com um manto de penas e sapatos de ouro.
Todas as nuances autorais, entretanto, foram esquecidas no produto pasteurizado -as coleções escritas para crianças hoje.

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