São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Justiça italiana cassa imunidade penal de aidético

The Independent
De Londres

ANDREW GUMBEL
EM ROMA

O Tribunal Constitucional da Itália pôs fim à farra de uma quadrilha de assaltantes em Turim. De alguns meses para cá, eles assaltaram dezenas de bancos, mas escaparam porque têm Aids e por isso não podem ser processados.
O tribunal cancelou um decreto especial que entrou em ação três anos atrás, prevendo que criminosos que fossem doentes terminais não seriam mantidos na prisão. Em lugar disso, os juízes terão agora que decidir por conta própria se aidéticos devem ou não ser processados por seus delitos.
O decreto de 1992 pretendia representar um gesto humanitário, mas terminou por expor o sistema judiciário italiano inteiro ao ridículo quando a quadrilha de Turim -composta por viciados em heroína, que se contaminaram com Aids ao compartilhar agulhas- ganhou notoriedade, neste verão.
O mesmo cenário se repetiu dezenas de vezes: os assaltantes entravam em pequenas agências bancárias da região de Turim, ameaçavam funcionários e clientes com uma faca e saíam andando, minutos depois, com os bolsos e casacos repletos de dinheiro. A polícia ficou tão acostumada a prendê-los e depois libertá-los que policiais e assaltantes já se conhecem pelos primeiros nomes. Uma vez os bandidos chegaram a ser filmados pelo sistema de segurança interno de um banco, mas 48 horas mais tarde já estavam soltos.
Um dos líderes da quadrilha está no hospital, recuperando-se de uma infecção pulmonar, e dois outros estão vivendo em casa. Eles afirmam que seus assaltos foram feitos em parte a título de protesto contra a falta de atendimento a pessoas que em sua situação.
Os asilos e hospitais psiquiátricos italianos foram fechados no final dos anos 70, numa tentativa apressada de pôr fim às condições desumanas que prevaleciam neles, mas seu lugar ainda não foi ocupado por outras instituições. Magistrados e assistentes sociais concordam que a cadeia não chega a ser uma alternativa satisfatória. Eles pediram uma rápida injeção de dinheiro do Estado para a criação de asilos para aidéticos.
A revogação do decreto pelo tribunal constitucional foi denunciada pelos próprios bandidos, que dizem não ter qualquer chance de receber tratamento adequado se forem presos. "Muita gente que está na mesma situação que eu vai preferir cometer suicídio a voltar à cadeia", disse Sergio Magnis, 29.
"Como podem cogitar colocar alguém como eu numa cela com outros presos? Aqui todos usam máscaras e luvas. Será que vão dar a mesma coisa aos outros detentos, ou vão deixar que se contaminem e morram?" O presidente do Tribunal Constitucional, Vincenzo Caianiello, reconheceu que o problema da falta de atendimento continua, mas disse que não é sua responsabilidade. "Nós já fizemos nosso dever", disse ele, "e, se não for possível colocar nossa decisão em prática porque o atendimento médico nas prisões não está à altura, isso é problema da administração penitenciária".

Tradução de Clara Allain

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