São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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De fisiologismo

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - No seu primeiro número de outubro a revista francesa "Le Nouvel Observateur" prometia, na capa, entregar nas páginas internas lobby por lobby pelo qual trabalhava cada um dos deputados do país.
Fui à leitura já salivando de expectativa por uma cornucópia de escândalos grandes ou pequenos. Nada. Os deputados franceses, pelo balanço da revista, são como os brasileiros: trabalham, principalmente, pelos seus interesses regionais ou pelos setores econômicos e/ou profissionais a que são ligados.
A revista não diz -ou por não ter apurado ou por não poder provar- se esse trabalho é remunerado por fora ou não, caso, aí sim, em que haveria um escândalo.
Por essas e por outras não me escandalizo com as cenas quase explícitas de fisiologismo que voltaram a ser exibidas nos melhores jornais do país a propósito da reforma administrativa.
Não que concorde ou sequer aceite. Apenas entendo. É assim desde que o mundo é mundo. Mas também entendo e acho justíssimo que os meios de comunicação responsáveis façam todo o estardalhaço a respeito da fisiologia.
Quanto mais a sociedade, da qual os jornais são ou tentam ser um dos canais de expressão, rebaixar sua expectativa a respeito da conduta dos homens públicos, mais estes se comportarão de maneira rasteira.
Por isso, mais grave no "affaire" reforma administrativa/fisiologismo parece ser o erro de julgamento daquele que é considerado um dos mais brilhantes sociólogos do país, Fernando Henrique Cardoso.
Há pouco mais de um ano, em entrevista à Folha no seu apartamento de senador em Brasília, FHC decretava a morte da fisiologia no Brasil. E com uma convicção tamanha que parecia ter sido soprada aos seus ouvidos diretamente por Deus.
O que assusta não é tanto o erro de avaliação de um sociólogo. Só ele paga por tal erro e, mesmo assim, se houver alguém com memória para cobrá-lo. O problema é que o sociólogo capaz de se equivocar dessa forma é hoje presidente da República e não está imune a uma outra avaliação tão distante da realidade.

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