São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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Terra, trabalho, alimento, paz

VICENTE PAULO DA SILVA

Multiplicam-se os conflitos no campo, saltando aos olhos a urgência de uma reforma agrária ampla e massiva no Brasil. A nossa Central, desde o seu surgimento, é ardorosa defensora da reforma agrária como forma de redistribuição e democratização da terra.
Lançamos na última Plenária Nacional da CUT, Zumbi dos Palmares, campanha pela reforma agrária. Lutamos e apoiamos ativamente as lutas da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), nossa afiliada, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), respeitando evidentemente a sua autonomia.
A questão dos conflitos de terra, que atingem proporções alarmantes, ganha destaque. O projeto neoliberal excludente, concentrador de renda, faz com que cada vez menos fiquem mais ricos e cada vez mais fiquem mais pobres. O governo vacila na ampliação de suas metas para assentamento de trabalhadores -metas ainda não-cumpridas. Enquanto isso ficam impunes os assassinos de trabalhadores e lideranças rurais.
Chico Mendes, Margarida Alves (acompanhemos esse caso com atenção, pois já está preso na Paraíba o acusado de mandante intelectual desse bárbaro crime), as vítimas de Corumbiara e de tantas e tantas outras chacinas ainda esperam por justiça. A violência continua. Dados da Comissão Pastoral da Terra revelam que de 1991 a 1994 foram registrados 199 assassinatos em 1.916 conflitos no campo -cerca de um assassinato por semana!
De janeiro a setembro deste ano foram registradas 198 ocupações de terra, envolvendo 31,4 mil famílias. No ano passado ocorreram 119 ocupações, com 20,5 mil famílias, contra uma média anual de 82 ocupações e 16,5 mil famílias entre 1991 e 1993. Esses números mostram a gravidade da situação.
A reforma agrária é indispensável para a construção de uma sociedade justa em nosso país. O latifúndio é sinônimo de atraso. Nenhum país do mundo se desenvolveu ou se modernizou mantendo a concentração da terra nas mãos de uns poucos. Os EUA, Europa, países avançados em geral fizeram sua reforma agrária.
Há grande parcela das terras em poder dos latifundiários praticamente abandonada. São terras que não cumprem sua função social e, de acordo com a Constituição, devem ser desapropriadas. A concentração da terra é a principal responsável pelas injustiças sociais, pela miséria e pelos conflitos no campo. Lembrando que 56% das terras produtivas estão nas mãos de 2,8% do povo brasileiro.
O apoio ao médio e pequeno agricultor e a distribuição de terras geram empregos. Criar um novo emprego na agricultura chega a custar, em alguns casos, 30 vezes menos do que na indústria. Com a reforma agrária aumenta a produção de alimentos e matérias-primas para o mercado interno e externo.
Produzindo em terras antes abandonadas serão necessários mais adubos, equipamentos e tudo o mais que é preciso para preparar a terra, plantar, colher, transportar a produção. Os trabalhadores assentados passam também a ser consumidores, ampliando o mercado dos produtos industriais. Aumentando o consumo, aumenta a produção. Aumentando a produção, aumenta a arrecadação de impostos.
Aumentando a arrecadação, o governo pode destinar mais recursos para a saúde, educação, moradia etc. Os trabalhadores que recebem terras tornam-se cidadãos em condições de participar dignamente da vida do país.
Uma ação preventiva às crises e aos conflitos agrários deve compreender basicamente a formação de um estoque de terras para assentamento e um processo de participação e organização dos beneficiários. Para implementar a reforma, a Contag propôs ao governo emendas constitucionais retirando a prévia indenização para os proprietários rurais e alterando o rito sumário, para que a lei seja cumprida de imediato.
Atualmente as contestações jurídicas impedem a imediata imissão de posse de terra pelo Incra.
Naturalmente, quando falamos em reforma agrária pensamos também em uma política agrícola pautada pela geração de emprego e renda, pela sustentabilidade do solo, da água e de outros recursos naturais e pelo condicionamento da concessão do empréstimo à comprovação do cumprimento, por parte dos tomadores, das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais. Uma política agrícola voltada para os pequenos produtores, garantindo-lhes condições seguras de investimento e trabalho.
São medidas que podem ser tomadas desde que haja realmente vontade política da parte do governo e empenho em resolver esse grande drama vivido pelos trabalhadores do campo do Brasil. Por volta de 1960 os moradores das cidades eram 25%, enquanto os do campo eram 75% da população. Hoje a situação é inversa, fazendo com que os 75% que moram nas cidades convivam com o desemprego, a violência, as condições péssimas de moradia, a fome etc.
Mas com o sonho de um dia voltar à sua terra, que hoje é do banco e do latifúndio. É tarefa dos que moramos nas cidades (sindicatos urbanos, outras organizações, outros segmentos etc.) a luta solidária pela terra.
A luta pela terra é de todos nós, é a luta pela vida e pela paz!

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