São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Está mal resolvido

DEMIAN FIOCCA

Apesar de atualmente estarem ainda mais em voga as teorias que pressupõem a perfeição do mercado e concluem que a economia funciona de modo suave e simples, não parece que fenômenos como instabilidade, crises ou bolhas especulativas estejam descartados.
A perspectiva de que a valorização da taxa de câmbio e a manutenção dos juros impagavelmente altos consolidem-se como um horizonte de longo prazo pode introduzir o Brasil em uma rota dessa natureza.
Cada vez mais pessoas poderão convencer-se de que o que se pretende como permanente é insustentável. E que, portanto, a questão fundamental passa a ser tirar daqui o dinheiro pouco antes de a bolha estourar. Isso está quase descartado para já, pois as reservas internacionais estão altas e há uma boa quantidade de patrimônio público para atrair recursos.
O contraste entre o consenso de que no México tudo ia bem, tudo ia ótimo, e o tamanho da imprevista crise instalada em poucos dias foi um contra-exemplo da hipótese de que pessoas e empresas agem racionalmente e têm boa, senão perfeita, capacidade de previsão. Contradiz a tese célebre de Lucas, prêmio Nobel deste ano.
Os mais liberais procuram explicar tais fatos por falta de informação e de livre mercado. É razoável supor, porém, que existam outras razões. De início, o ranço ideológico contrário a qualquer presença do Estado por vezes obscurece o debate econômico -torna irracionais economistas e investidores.
Os que estão enriquecendo com juros têm também uma compreensível inclinação a ressaltar o valor técnico de tal política. Em um ambiente mais competitivo, ademais, são selecionados profissionais "agressivos", ou menos confiantes no exemplo conturbado da história econômica. E não é novidade que pode ser preferível errar junto com a maioria do que acertar sozinho. Keynes disse isso há seis décadas.
A despreocupação com o déficit gerado pelos juros altos, o conformismo com as desigualdades que produzem tensão salarial e a defesa quase ideológica da taxa de câmbio podem favorecer a idéia de que o plano dura, mas não é pra valer.

Hoje, excepcionalmente, Marcos Cintra não escreve esta coluna.

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