São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Finanças globais passam por inferno astral

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Fatores estruturais ou coincidências demoníacas? A justaposição de humores ruins, fatos negativos e expectativas frustradas nos mercados financeiros na semana passada não têm explicação fácil. E nada garante que as coisas melhorem nas próximas semanas.
Já não se trata mais de "efeito tequila", ainda que os problemas na economia e na política do México tenham dado a sua contribuição para a desordem global.
O centro do mundo está catatônico. As tensões entre o presidente Clinton e a maioria republicana só aumentam e a campanha eleitoral já está na rua.
O Congresso dos EUA aprovou um projeto de controle orçamentário, com apoio de boa parte da bancada democrata, que contraria frontalmente o presidente (Clinton queria mais tempo para reduzir o déficit público norte-americano). O projeto deverá ser vetado pela Casa Branca.
Em Wall Street, as interpretações sobre a arrancada tecnológica americana oscilam nervosamente. De um lado, tem havido euforia com a recuperação da produtividade e da competitividade da indústria, os preços de ações de empresas de ponta disparam na frente.
Ao mesmo tempo, o segmento passa por uma fase de instabilidade organizacional (fusões e aquisições nem sempre pacíficas) e gargalos de suprimento em várias etapas do ciclo produtivo.

Cautela
Na esfera abstrata da macroeconomia, a ambiguidade também faz vítimas. A economia americana cresceu 4,2% no terceiro trimestre, mas isso recoloca o Fed (banco central dos EUA) na defensiva quanto a reduzir mais os juros.
Se os juros podem ficar onde estão ou até mesmo subir, aumenta a cautela dos investidores diante de países como o México, Argentina ou Brasil. Afinal, nesses países a estabilização ainda é uma aposta que depende muito da disposição do resto do mundo em investir na América Latina.

Crises
Na Europa, as turbulências políticas ficaram em primeiro plano. Crises na Espanha, na Itália e na Rússia revelaram a fragilidade da União Européia e da nova ordem pós-comunista no Leste Europeu. Na Ásia, os rumores sobre o tamanho da crise bancária japonesa continuam provocando calafrios e artigos pessimistas nas principais publicações financeiras. E a China, também em fase de transição política, vem colidindo de frente com o governo americano e se recusou a entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Mão negra
Na América Latina, na mesma semana, os três pólos econômicos mais importantes entraram em síncope. No México já se fala na "mão negra", termo usado pelo líder da oposição para designar "ações de sabotagem" com interesses políticos e ligações com o narcotráfico (tema pestilento que vem espreitando o México desde os assassinatos políticos em 94).
Para o governo mexicano, o inferno são os outros. Tudo não passaria de reflexos da turbulência financeira no Brasil e na Argentina, ou em Wall Street. De fato, na semana passada a economia argentina foi bastante sacudida por boatos de queda do ministro Cavallo. O presidente Menem foi aos EUA sem Cavallo para mostrar que o modelo argentino não depende do ministro. Mas surgiram relatos do encontro com banqueiros sugerindo que o presidente não convenceu suas platéias.
Até aonde vão os boatos, as coincidências infelizes e as oscilações conjunturais? Em que medida existe, além da superfície, uma desordem de fundo?
Passada a euforia neoliberal, fica a cada dia mais evidente que os processos de reestruturação produtiva, financeira e política nos vários pólos globais estão inconclusos. Ao mesmo tempo, nunca as possibilidades de pacificação, democratização, crescimento econômico e fortalecimento de pólos regionais estiveram tão visíveis.
A eficiência da democracia está em questão nos EUA, no Japão, na Europa e na América Latina. As receitas de liberalização indiscriminada parecem tão eficazes ou genéricas quanto um xarope de faroeste.
Será preciso encontrar a todo custo, e deve mesmo custar caro, caminhos na economia e na política que sejam algo intermediário entre a mão negra e a mão invisível.

Texto Anterior: Os governadores contra o muro
Próximo Texto: Onde os municípios gastam
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.