São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Onde os municípios gastam

LUÍS NASSIF

O estouro de contas de Estados e municípios têm dado margem a interpretações conflitantes. Para uns, foi consequência do inchaço da máquina pública. Para outros, significou apenas a assunção de encargos relegados pela União.
Pode ter ocorrido uma coisa e outra. Mas não há dúvida de que onde Estados e municípios assumiram a operação de serviços públicos, os cidadãos ficaram melhor atendidos.
Em Uberaba, Triângulo Mineiro, a prefeitura passou a gerenciar os recursos da merenda escolar -que, nas mãos da União, não atendia metade da população escolar. Sobrou tanto recurso que na semana passada o cardápio da merenda passou a incluir iogurtes. O prefeito vetou, porque já se tratava de mudança de hábitos alimentares, que não poderia ser mantida pelas famílias das crianças.
A prefeitura também assumiu os serviços de água e esgoto. A tarifa municipal representava cerca de 20% da tarifa estadual. No último ano, um reajuste elevou o preço para 30% da tarifa estadual, gerando volume de investimento superior às próprias necessidades municipais.
Na paulista São José dos Campos, a prefeitura também assumiu os investimentos na área de saneamento. Até alguns anos atrás, toda expansão da rede estava subordinada a procedimentos clientelistas. Para contornar o problema, em cada expansão a prefeitura se dispôs a financiar a mão-de-obra -a Sabesp se responsabilizaria pelos canos-, descontando o investimento do faturamento posterior. Como a Sabesp não deu conta nem dos canos, a prefeitura acabou assumindo todo o investimento, contra desconto em faturamento futuro.
Como regra geral, parte relevante do aumento das despesas de municípios destinou-se a suprir a ausência de recursos federais para educação e saúde.
São José recebe do Sistema Único de Saúde US$ 12 milhões por ano, para um gasto de US$ 35 milhões -o restante bancado pelo município. Além disso, passou a suplementar a atuação do Estado até na fiscalização de impostos estaduais.
Como 25% de sua cota-parte no Fundo de Participação dos Municípios dependem de sua receita de ICMS, todo mês, antes do fechamento dos balanços, funcionários municipais percorrem as empresas, a pretexto de ensinar a preencher guias de recolhimento.
Mas há também imprudências. Até 1993, a arrecadação total de São José era por volta de US$ 100 milhões. No ano passado, saltou para US$ 270 milhões. Parte desse aumento se deveu à melhoria da fiscalização -uma questão estrutural-, mas parte relevante, à melhoria da atividade econômica -um aumento conjuntural.
Assim, a prefeitura petista ampliou a oferta de serviços públicos -o que é bom-, mas negociou com os servidores gatilhos para toda vez que a inflação superar 5%. E o número de servidores aumentou de 6,8 mil em 1993 para 8 mil.
Certamente a qualidade dos serviços públicos melhorou. Mas hoje em dia, as despesas com pessoal consomem 60% de sua receita tributária -o equivalente a US$ 162 milhões com pessoal. Se a arrecadação tivesse permanecido a mesma de 1993, haveria um déficit de 40% apenas para pagar pessoal.

Ridículo
A Câmara Municipal de São José deveria se mancar, no processo de impeachment que abriu contra a prefeita. O pretexto foi um relatório do Tribunal de Contas do Estado, mencionando irregularidades contábeis em alguns procedimentos municipais -ou seja, existência de documentos preenchidos incorretamente. Bastou o preenchimento correto para a "irregularidade" ser sanada.
Mesmo assim, a Câmara se apegou à palavra "irregularidade" para propor a cassação da prefeita. Sugere-se que pense duas vezes. A prefeita se livra da cassação. Mas a cidade não se livrará do ridículo.

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