São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Kroll chega ao Brasil para investigar crimes financeiros

FREDERICO VASCONCELOS
EDITOR DO PAINEL S/A

"Onde os negócios fraudulentos florescem, também prospera a Kroll Associates", diz a revista do "The New York Times".
A Kroll está se instalando no Brasil, para investigar crimes financeiros que se multiplicam com a globalização da economia.
Trata-se da firma norte-americana que rastreou os bens de Paulo César Farias, o PC, no exterior. A Kroll vinha operando no Brasil, a partir de Miami. Agora, espera faturar US$ 1 milhão, em 1996, a partir de São Paulo.
Versão privada da CIA (Agência Central de Inteligência), ela atua em sete países, com analistas e detetives especializados em segurança patrimonial. Seus dirigentes, nos Estados Unidos, vieram de órgãos de inteligência ou foram destacados policiais.
A Kroll repatriou dólares desviados de estatais da Rússia, às vésperas da privatização, e investigou sete indústrias acusadas de formação de cartel com a Máfia, em Nova York. Um de seus pontos fortes é localizar fortunas suspeitas no exterior. Além de PC, a Kroll já investigou Jean-Claude ("Baby Doc") Duvalier, do Haiti, Ferdinando Marcos, das Filipinas, Saddam Hussein, do Iraque, e Alan Garcia, do Peru.
O presidente da Kroll no Brasil é o norte-americano James Wygand, 52, economista bem-humorado e bacharel em literatura, que concilia artes marciais com a leitura de autores do século 18. Wygand recebeu a Folha no escritório, em montagem, no World Trace Center, em São Paulo.

Folha - A Kroll oferece segurança patrimonial, acompanha casos de sequestros, terrorismo, pirataria industrial e fraudes financeiras. Qual dessas áreas é mais atraente no Brasil?
James Wygand - Segurança patrimonial, especialmente fraude interna nas empresas, desvios de recursos financeiros, redução de riscos e sistemas para empresas familiares em vias de modernização.
Folha - O governo está preocupado com a evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A Kroll atua nessas duas áreas?
Wygand - Atua ajudando empresas privadas. Já tivemos um caso, no Brasil, de lavagem de dinheiro que começava dentro de uma companhia, no setor de contas a pagar. Havia um esquema muito bem elaborado de lavagem de dinheiro pago a fornecedores falsos. Chegamos, em alguns casos, a procurar ativos desviados em outros países. Não somos responsáveis por investigação de doleiros, uma função mais policial.
Folha - Qual a forma mais comum de lavagem de dinheiro?
Wygand - É a criação de um fornecedor falso que passa a receber regularmente por fornecimentos que, de fato, não faz. Normalmente está vinculado a pessoas dentro da empresa e o dinheiro é pulverizado em contas bancárias.
Folha - Como é feita a identificação dos fraudadores?
Wygand - Uma empresa criada para fins de fraude normalmente não está fornecendo para mais ninguém no mercado. Não tem uma série de relações bancárias nem referências comerciais.
Folha - O Brasil é um país convidativo para o crime de colarinho branco, com o sigilo bancário? Pode ser considerado um paraíso fiscal?
Wygand - Eu não sei se o sigilo bancário necessariamente estimula a questão criminal. Nos EUA há sigilo bancário. Quando se criam controles burocráticos mais complexos, mais etapas, sempre há maior risco de corrupção. O mercado brasileiro é atraente, não porque existam tantos crimes de colarinho branco por causa do sigilo bancário, mas porque há mais exigências em cima de uma empresa.
Folha - O que muda numa economia sem inflação?
Wygand - Quando se tinha inflação, por exemplo, de 40% ao mês, qualquer desfalque na empresa, digamos, de 10%, representava cinco ou seis dias de ajuste de preços. Em tese, se havia ganho com a inflação, você recuperava parte do que foi levado. Numa economia estável, com inflação que se aproxima de zero, uma diferença de 10% no custo representa o risco de se ficar fora do mercado.
Folha - O empresário brasileiro tem consciência de que vale a pena pagar pela prevenção?
Wygand - Como o mercado brasileiro está se tornando cada vez mais complexo, com níveis de gerência profissional, e não mais familiar, os riscos devem ser controlados. Aquele sobrinho que meteu a mão dentro da empresa e comprou uma casa no Guarujá, um dia vai jantar em casa e você diz que ele terá que pôr o dinheiro de volta na empresa. Se um gerente profissional tem casa comprada com dinheiro que levou da companhia, é uma questão de provar em juízo e não na mesa de jantar.
Folha - Os mecanismos de controle dos bancos, no Brasil, são eficientes para inibir crimes?
Wygand - Em geral, acho que sim. A legislação do Banco Central é bastante específica e rigorosa em relação aos controles sobre os bancos. Há pequenas falhas no sistema de controles internos. Mas isso não é específico do Brasil. Veja o caso do Barings. Muitas vezes há riscos elevados. Em alguns casos, bancos entraram rapidamente no mercado global e têm pequenas falhas no sistema de controle ou na maneira que vêm operando.
Folha - E nos casos de concessões de empréstimos suspeitos?
Wygand - Algumas instituições nos contratam para verificar a idoneidade de qualquer credor potencial acima de, por exemplo, US$ 10 milhões. É sempre bom investigar. De repente, um distribuidor de um produto que você está exportando está envolvido em lavagem de dinheiro para o narcotráfico. Você não quer sua empresa vinculada a uma operação dessas.

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