São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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'Enguia' pode ser avó do homem

HELIO GUROVITZ
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Um animal com menos de quatro centímetros parecido com uma enguia pode ter sido ancestral da espécie humana, segundo estudo publicado na última edição da revista britânica "Nature".
No artigo, pesquisadores descrevem fósseis do animalzinho, batizado Yunnanozoon, descobertos numa formação geológica conhecida por Chengjiang, na Província de Yunnan (China).
Com cerca de 525 milhões de anos, ele é o animal mais antigo já encontrado a apresentar um esboço de espinha dorsal, uma estrutura chamada notocorda.
O Yunnanozoon poderia, então, ser esse "avô" de todos os animais que têm estruturas como a espinha dorsal -inclusive do homem. Se não for precisamente esse "avô", poderia ser um "irmão" dele e, portanto, uma espécie de tio-avô de todos os seres humanos.
"Esse é um bom modo de descrever a coisa", disse à Folha Lars Ramskõld, da Universidade de Uppsala (Suécia), membro da equipe internacional de cinco cientistas que descreveu os fósseis.
A descoberta do animal chamou a atenção do geólogo americano Stephen Jay Gould, da Universidade Harvard (EUA), que escreveu um comentário sobre o achado na mesma edição da "Nature".
Isso porque a pequena enguia, semelhante a animaizinhos encontrados hoje em algumas praias chamados anfioxos, surgiu na época em que a vida literalmente desabrochou no planeta Terra, conhecida como explosão cambriana.
Essa explosão foi um episódio que durou no máximo 10 milhões de anos, entre 530 milhões e 520 milhões de anos atrás.
Nesse curto período, menos de 20 segundos se imaginarmos que a Terra existe há 24 horas, surgiram quase todos os grupos animais, chamados pelos biólogos de filos.
Esse processo é imaginado em detalhes no livro "Vida Maravilhosa" -o acaso na evolução e a natureza da história, de Gould (Cia. das Letras, 1990, R$ 23,50).
Segundo Gould, o próprio Darwin escreveu na primeira edição de "Origem das Espécies" que uma súbita explosão de vida como a do período cambriano desafiava explicações científicas.
Para Darwin, era difícil entender que a evolução não seguisse um caminho gradual, de seres menos complexos, como o Yunnanozoon, para seres aparentemente mais complexos, como o homem.
"Hoje quase nenhum cientista pensa mais desse modo", diz Ramskõld. "Gould usou um animal chamado Pikaia como exemplo de que foi o puro acaso que produziu os seres humanos".
A Pikaia era o animal que tinha, até o artigo publicado na quinta-feira passada, a notocorda mais antiga de que se tem notícia.
Por sua simplicidade, foi no início classificada em outros grupos, pois cientistas não acreditavam que um animal do filo a que pertence o próprio homem (o filo dos cordados) tivesse surgido tão cedo.
Mas ambos -Pikaia e Yunnanozoon- são indícios de que os cordados surgiram com todos os demais grupos na explosão cambriana e não foram uma evolução posterior de organismos "superiores" ou "mais elaborados".
Em seu comentário, Gould conclui: "Nosso próprio filo, como prova o Yunnanozoon, faz parte da história universal. Quanto ao nosso lugar na história da vida, estamos nela, não acima".

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