São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Ciência responsável

"Teste científico mata cinco nos EUA." Esta manchete estampada na página de ciência desta Folha na última sexta-feira enseja algumas reflexões em torno da bioética.
Neste caso específico, cientistas testavam a droga fialuridina contra a hepatite B, doença que deixa sequelas extremamente graves como cirrose e câncer hepáticos. Não parece haver motivos para suspeitar de má conduta médica. O teste era supervisionado pelos seriíssimos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), dos EUA, e a droga já fora testada com sucesso em animais.
Num teste-piloto com 67 pacientes com hepatite B ou com outras infecções decorrentes de Aids, aparentemente, tudo correu bem.
Três meses depois do teste-piloto 15 voluntários tomaram a droga por quatro semanas. Tudo foi interrompido após a internação de um paciente por insuficiência renal. Já era tarde. Saldo final: cinco pacientes mortos e dois que tiveram de transplantar seus fígados.
Estudos posteriores -e os NIH disso podem tirar uma lição- mostraram que, dos 67 participantes do teste-piloto, quatro haviam morrido dois meses após o fim do tratamento. Se os NIH tivessem acompanhado melhor a evolução dos pacientes do primeiro grupo, aquelas mortes poderiam ter sido evitadas.
Aparentemente a droga ataca as mitocôndrias humanas, organelas responsáveis pela produção de energia para a célula.
É claro que acidentes na história do progresso científico são frequentes. O mais célebre talvez seja o de Marie Curie, que morreu de leucemia provocada pela exposição à radioatividade, campo para o qual deu imensa contribuição.
Os rápidos avanços científicos verificados recentemente por certo entusiasmam os pesquisadores, mas podem estar levando-os a um açodamento que em nada contribui para a boa ciência.
A velha lição de que seres humanos não reagem necessariamente como animais a uma mesma droga parece, neste caso, não ter sido levada em consideração. O não-monitoramento do primeiro grupo também foi um erro.
As principais virtudes de um cientista são a paciência, a perseverança e a responsabilidade. Afinal, a idéia é salvar vidas, não acabar com elas.

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