São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Como nos tempos do czar

A segunda hospitalização do presidente russo Boris Ieltsin no curto espaço de seis meses chama a atenção para o fato de que, por mais que o país tenha se modificado profundamente desde que Mikhail Gorbatchov começou com a "perestroika" (transparência), permanece institucionalmente ancorado no seu mais remoto passado.
Chame-se czar, secretário-geral do Partido Comunista ou presidente de uma República quase democrática, o fato é que o mandatário russo, hoje como ontem e como anteontem, detém um poder tão formidável que o país (e o mundo) fica dependente dele.
As instituições desaparecem, tragadas pelo personalismo absoluto do líder de turno.
Consequência inevitável: a cada problema de saúde de Ieltsin ressurgem especulações, palpites e "gossips", exatamente como se o mandatário ainda fosse, por exemplo, um Leonid Brejnev, o último dos donos absolutos do poder na então União Soviética.
Da mesma forma, fica pairando um ponto de interrogação sobre as reformas econômicas, como se todos e cada um dos passos da Rússia na penosa transição do comunismo para o capitalismo dependesse de seu coração permanecer ou não em perfeito funcionamento.
O mais grave é que a hospitalização de Ieltsin ocorre, talvez, no pior dos momentos políticos. Haverá, em dezembro, eleições parlamentares e, em junho, a presidencial. Inevitáveis turbulências à parte, é um enorme teste para saber se a Rússia é capaz de contrapor o chefão de turno, todo-poderoso, por instituições que funcionem independentemente do ritmo cardíaco do presidente. Mas a alma russa parece ser resistente a mudanças.

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