São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Reunião do cartel define a concorrência

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Telebrás e a Radiobrás receberam na última quarta-feira propostas de empresas interessadas em vender-lhes passagens aéreas pelo período de um ano. Só dentro de cerca de dez dias serão revelados os nomes das firmas vencedoras. Mas documentos obtidos pela Folha demonstram que ambas as licitações são fraudulentas.
Dois dias antes da entrega das propostas, as empresas de turismo se reuniram para sortear os nomes das agências que vencerão as licitações. A reunião, convocada inicialmente para 27 de outubro, acabou sendo adiada para o dia 30.
A menos que cancele os editais, a Telebrás e a Radiobrás serão as duas mais novas vítimas do CNT (Clube de Negócios de Turismo de Brasília), o cartel das agências de viagem.
O documento de convocação da reunião é explícito. Menciona os nomes das empresas públicas, e estabelece uma agenda de trabalho. No período de 8h30 às 12h30, os membros do clube selecionaram as empresas habilitadas a participar da licitação. A partir de 12h30, fizeram o sorteio dos vencedores.
A Telebrás é subordinada ao ministro das Comunicações, Sérgio Motta. A Radiobrás responde diretamente à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, chefiada pelo porta-voz Sérgio Amaral.
O cartel das empresas vem agindo há cinco meses. Em 27 de julho, o clube sorteou vencedores para outras duas licitações: uma no Ministério da Agricultura e outra no Ministério da Saúde.
Desconto
Quatro dias depois, em 31 de julho, entregaram-se as propostas na pasta da Agricultura. Concorreram sete empresas. Venceu a firma Buriti Turismo, uma das sócias do clube. A firma ofereceu ao ministério desconto de 0,85% sobre o valor da compra de cada passagem. A mesma Buriti assinou, no início do ano, antes do cartel, contrato em que ofereceu ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) desconto de 5%.
Antes da licitação, o fornecedor de passagens da pasta da Agricultura era a Voetur, também sócia do CNT. O contrato antigo, assinado também antes da constituição do cartel, concedia ao ministério descontos de 6,2%.
O novo contrato com a Buriti foi assinado no dia 2 de outubro. A Agricultura estima que irá gastar nos próximos 12 meses algo como R$ 300 milhões.
Na licitação do Ministério da Saúde, houve um imprevisto: empresas ainda não filiadas ao Clube dos Negócios de Turismo também apresentaram propostas. Tenta-se, desde então, melar o processo. Cinco empresas ingressaram com recursos à comissão de licitação, sob as mais diversas alegações.
Até o momento, o único órgão público a emitir sinais de desconfiança em relação ao comportamento das agências de turismo foi o TST (Tribunal Superior do Trabalho). As suspeitas levaram ao cancelamento de uma licitação.
O tribunal comprava passagens da GM Turismo, com desconto de 6,8%. Em julho, vencido o contrato, a empresa poderia tê-lo renovado. Mas optou pelo cancelamento.
O TST viu-se então forçado a adotar duas providências. Abriu uma licitação e contratou, em caráter emergencial, para o período de duração da tomada de preços, a Voetur Turismo. Conseguiu então descontos de 6%.
Súbito, a Voetur reduziu a oferta de desconto para 4%. E, na licitação, venceu a agência Firenze, sócia do cartel, com percentual de desconto ainda menor: 0,08%.
Boicote
O tribunal cancelou a licitação e distribuiu novo edital. Dessa vez impôs como condição à concessão de desconto mínimo de 4%. O cartel ainda não sabe como agir. Pensa em boicotar a nova licitação, marcada para 21 de novembro.
Conforme a documentação obtida pela Folha, o clube das empresas de turismo manipulou várias outras licitações já realizadas, entre as quais estão uma da Infraero, outra no Serpro e uma terceira do Conselho Federal de Medicina.

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