São Paulo, terça-feira, 7 de novembro de 1995
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Pozenato deixou a Igreja para escrever livremente

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O homem que criou a trama de amor e infidelidade dos casais italianos de "O Quatrilho" é um ex-padre que trocou o sacerdócio pela literatura. Um descendente de italianos que até os 12 anos sequer convivia com os imigrantes da colônia.
"Não me considero italiano. Sou um brasileiro que tenta mostrar essa comunidade de italianos e brasileiros a ela mesma e ao resto do país", diz José Clemente Pozenato, 57.
Casado, pai de três filhas, Pozenato é professor de literatura brasileira na Universidade de Caxias do Sul (RS). Deixou a vida religiosa depois de 14 anos de seminário e sete de sacerdócio.
Em entrevista à Folha, José Clemente Pozenato falou da Igreja, de "O Quatrilho", das raízes italianas e seus novos projetos.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
(FS)

Folha - O senhor teria escrito um livro que fala de transgressão, como "O Quatrilho", se ainda fosse padre?
José Pozenato - Certamente que não. "O Quatrilho" é um livro sobre a transgressão amorosa numa sociedade conservadora. No seminário eu escrevia poesia e me permitia algumas metáforas, mas nunca falava nada diretamente. O controle era muito rígido.
Folha - Foi por isso que o senhor abandonou o sacerdócio?
Pozenato - Essa é sempre uma decisão lenta, que se concretiza durante anos. O seminário dá uma boa formação humanística, mas eu queria um avanço intelectual. Só conheci minha mulher dois anos depois que deixei de ser padre. A mudança foi uma luta entre a disciplina e a liberdade. Sou católico até hoje, mas fiquei com a liberdade.
Folha - No filme há dois padres, um deles bem dominador.
Pozenato - É, o padre Gentile (Cécil Thiré) usa a Igreja para ter poder, o que é muito comum na instituição. O outro, padre Giobbe (Gianfrancesco Guarnieri), é mais humano. Até hoje eu sou contra a Igreja engajada politicamente, porque acho que é uma forma de usar a religião para dominar.
Folha - Qual a sua relação com suas origens italianas?
Pozenato - Meu pai era neto de italianos. Ele não falava italiano em casa, não gostava muito que os filhos convivessem com italianos para não falar errado. Quando entrei no seminário, estranhei muito, achava que eu era diferente.
Folha - "O Quatrilho" é um reencontro com essas raízes italianas?
Pozenato - Na verdade, não vejo como um reencontro, porque não me considero italiano. Eu falo italiano, não muito bem, mas não falo sequer o dialeto vêneto usado em Caxias. Tentei seguir um caminho de brasilidade, de me ver como um brasileiro neto de italianos que mostra um pedaço diferente do Brasil.
Folha - O senhor enfrentou alguma reação nas comunidades italianas, por causa do filme?
Pozenato - A história foi bem recebida. Mas enfrentei protestos em algumas comunidades italianas rurais, que achavam o filme indecente. As comunidades italianas se vêem como muito corretas e coerentes, mas o italiano, o homem em si, é muito ambíguo. Eu espero, com histórias assim, fazer com que essas pessoas deixem de olhar para trás e olhem para a frente.

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