São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Ex-pastor conta sua vida do púlpito ao lixo

GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

Atrás de uma lata de lixo próxima aos fundos da Igreja Universal do Reino de Deus, no Brooklyn, em Nova York, estava escondido uma rapaz negro, magro e drogado. Armado com uma pistola automática, ele se preparava para assassinar o bispo Edir Macedo.
Acompanhado do filho adotivo Moisés, em 1992, Edir Macedo caminhava cercado de dois assessores a poucos metros da lata de lixo, mas o rapaz, 28 anos, ex-pastor da igreja, fraquejou em seu plano cultivado havia mais de um ano.
"Perdi a chance de ser o Lee Osvald da Igreja Universal do Reino de Deus", diz Mário Justino de Souza, referindo-se ao assassino de John Kennedy.
A tentativa de matar Edir Macedo foi o ponto mais baixo da degradação psicológica de Mário Justino, que, de pastor prometendo milagres e curas, transformou-se em mendigo, traficante de drogas e viciado. Sem dinheiro, viu-se forçado, apesar de portador do vírus HIV, a se prostituir.
No seu desespero misturado às alucinações das drogas, encontrou algum sentido na vida ao responsabilizar Edir Macedo. Ao saber que tinha Aids, Macedo, segundo Mário, resolveu demiti-lo da igreja sem garantir-lhe bilhete de volta ao Brasil.
Essa trajetória, do púlpito aos subterrâneos de Nova York, é relatada num livro que sai nesta semana, intitulado "Nos Bastidores do Reino - A Vida Secreta da Igreja Universal do Reino de Deus", da Geração Editorial.
O prefácio é de Marcelo Rubens Paiva, colunista da Folha, que recebeu os originais no ano passado, quando morava na Califórnia.
"Eu, que prometia o paraíso, conheci o inferno", conta Mário Justino, enquanto caminha pelos pontos onde vendia drogas no East Harlem, região violenta de Nova York, cidade que Edir Macedo chama de "o trono do diabo".
"Cometi aqui o pecado capital de vender drogas e me viciar". Diz agora estar "clean" (limpo) graças ao tratamento médico e à ajuda da Associação dos Narcóticos Anônimos.
"Ele é um indivíduo para cima", conta Wagner Dennuzo, assistente social do hospital San Vicente, onde Mário Justino é tratado. Essa é a impressão de outros funcionário do hospital.
Mário se beneficia de direitos concedidos a portares do vírus da Aids nos EUA. Atualmente, ele ajuda aidéticos em estado terminal. "Fico pensando quem vai cuidar de mim quando chegar minha vez", diz.
A Igreja Universal, em Nova York, prefere se calar. "Não tenho nada a falar", mandou dizer Renato Maduro, um dos chefes da igreja nos EUA. Mais inútil ainda é tentar falar com o próprio Edir Macedo, para quem Justino é apenas um depravado.
Mário Justino tem também boas lembranças. Tempos em que a Igreja Universal do Reino de Deus deu-lhe posição social e dinheiro.
Ele entrou na instituição em 1980, em São Gonçalo, no Rio. Dali passou por Recife, Salvador, São Paulo, Lisboa e, enfim, Nova York.
Mas sempre teve uma vida tumultuada. Diz ter-se iniciado no homossexualismo com o bispo da Universal José Carlos Menezes, hoje em Portugal. Conta que ao chegar aos EUA, foi levado às drogas por uma prostituta, o que pôs fim a seu casamento.
Na Bahia, onde foi pastor, conta, sobrava dinheiro. "Eu recebia porcentagem do dinheiro arrecadado", lembra-se. "Cheguei a ir de táxi aéreo para Porto Seguro".
"O critério para subir na igreja era a capacidade de arrecadar dízimos", afirma. Nesse jogo, valia tudo. Inclusive, segundo ele, fazer acertos com pessoas que encenassem milagres. Assim, subitamente, na frente dos fiéis, supostos paralíticos saíam andando. "As pessoas que vão à igreja estão em estado de profunda necessidade, depressão, sofrimentos. Estão dispostas a acreditar em qualquer qualquer coisa", avalia.
No começo, ele se acreditava movido pela inspiração divina, mas, com o tempo, passou a encarar a Igreja Universal como fonte de renda. Tentou sair, mas constatou que, fora do púlpito, não teria chances. "Como a maioria dos pastores daquela época, eu não tinha estudo", afirma.
Diz que seu livro não é um forma de vingança, um substituto do tiro que não conseguiu dar no bispo. "Hoje, vejo que se eles erraram comigo, eu também errei. Não sou santo. Eles não me devem nada. Sou também culpado do que fui".
O livro tem também um papel na vida pessoal de Justino: "É o jeito que encontrei de tentar organizar minha vida", analisa. "É, principalmente, um testamento a meus filhos".
Justino tem uma sensação de pressa. Nunca sabe quando a doença vai derrotá-lo, como já derrotou vários personagens de seu livro, que, como ele, conheceram em Nova York "o trono do diabo".

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