São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Boom latino foi só uma bolha especulativa

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A América Latina não deixa de ser notícia. Pior, má notícia. Os tropeços cambiais do peso mexicano nos últimos dias já levam muita gente a cunhar, timidamente ainda, a expressão "tequila 2".
Apesar dos desmentidos do presidente Menem, da criação de mais um fundo de estabilização do peso mexicano e do lançamento de um programa de saneamento bancário no Brasil, as expectativas globais sobre a região não conseguem decolar.
Expectativas irracionais, aliás, que são o tema central de um importante artigo do economista Paul Krugman, da Universidade de Stanford. Ele detesta os lugares comuns que a mídia propaga sobre economia e políticas econômicas.
O artigo foi publicado originalmente na revista "Foreign Affairs", na edição de julho/agosto passados.
E, apesar de já estar disponível em português na última edição da revista "Política Externa" (publicada pela editora Paz e Terra, com Fernando Henrique Cardoso no Conselho Editorial), o leitor que me desculpe: mas eu vou abusar das aspas.
Expectativas irracionais
"A liberalização do comércio e outras medidas para abrir os mercados são quase sempre positivas, mas a idéia de que irão causar um impacto no crescimento representa antes uma esperança que uma expectativa bem fundamentada."
"Reduzir a inflação também é interessante, porém fazê-lo por meio da fixação da taxa cambial dá origem a uma mistura entre custos e benefícios, em que os argumentos favoráveis têm tanta força quanto os argumentos contrários."
"Apesar disso, o comportamento, tanto dos governos quanto dos mercados durante os últimos cinco anos não indica a presença de uma visão mais ponderada nesse sentido."
"Pelo contrário, os governos e os mercados nem sequer hesitaram em adotar os pacotes reformistas do consenso de Washington, ao mesmo tempo em que os mercados entusiasticamente injetaram investimentos nas economias em período de reforma."
Para Krugman, governos e mercados foram envolvidos numa bolha especulativa tão irracional quanto a febre das tulipas holandesas ou um episódio qualquer de especulação com soja ou marcos alemães.
O toque inovador do seu alerta, entretanto, não está na identificação de uma bolha de expectativas sem fundamento (fenômeno comum nas economias capitalistas), mas no caráter sociológico, político e ideológico do processo de mitificação do "milagre mexicano".
Mas as expectativas não são irracionais apenas porque ficam inflacionadas por um processo de profecia auto-realizável.
Espelhos quebrados
Claro que se montou um jogo de espelhos entre mercados e governos embalados pelo consenso de Washington. Os investidores apostavam nos emergentes latinos porque acreditavam nas reformas. E os governos faziam as reformas porque viam nos mercados reações imediatamente positivas às intenções (e implementação) das reformas.
Além dos espelhos, entretanto, havia uma realidade amarga que poucos observavam. O exemplo mais dramático citado por Krugman: ainda que os fluxos de capital para o México chegassem a mais de US$ 30 bilhões em 1993, a taxa de crescimento do país no período 1990-94 foi, em média, de 2,5%, taxa inferior ao crescimento populacional.
Com ou sem Chiapas ou Colosio, o encanto tinha de se quebrar. E o ajuste recessivo agora em curso, tanto no México quanto na Argentina, obviamente apenas piora as coisas.
Cria-se um processo inverso, de expectativas negativas, que também tenderão ao paroxismo.
Krugman não diz palavra sobre o Brasil.

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