São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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São Havelange

JUCA KFOURI

"Jovem Havelange" é o bem sacado título da biografia autorizada do presidente da Fifa, de 79 anos e cheio de planos para o futuro. O livro será lançado com pompa e circunstância no dia 12 de dezembro, em Paris, na abertura do congresso da entidade.
Seus autores acabaram sendo Edgard Soares, o homem de marketing do Corinthians e futuro vice-presidente de marketing da Federação Paulista de Futebol, e o jornalista Sérgio Baklanos -repórter de "A Gazeta Esportiva", que, numa recente entrevista coletiva de João Havelange, ouviu do cartola que uma determinada pergunta feita por ele só podia vir de alguém que fosse "pobre".
Como toda biografia autorizada, a obra é uma louvação. Editada e coordenada por Eduardo Farah, o texto de apresentação que o presidente da FPF pagou para ser escrito para que ele assinasse é um primor.
Havelange é comparado a Cristóvão Colombo e aos astronautas que pisaram na Lua. Mais: a Joan Miró, Thomas Edison e Albert Einstein.
Mas nenhuma menção é feita, por exemplo , ao desentendimento que teve com Pelé.
Em compensação, tem jóias como a que segue. "Como o show da vida não pode parar, o universo continua em seu movimento perpétuo. Os gases nobres do Sol se agitam em sua atmosfera. Os anéis de Saturno e Netuno seguem em seu alucinado carrossel de meteoros e meteoritos. Como se fizesse parte desse balé eterno, Havelange pesquisa novas fórmulas para que o futebol não caia no lugar-comum."
O livro diz, mas não prova, que Havelange ajudou um filho de um diplomata brasileiro a fugir da Argentina sob ditadura e que interveio "em favor de amigos detidos pelo regime (brasileiro, no caso), numa história só agora revelada e que precisa ser um dia ainda escrita."
De fato, um dia, porque agora não foi. Talvez porque haja limites até para a ficção.
Muitas vezes ingênuo, o texto procura dar pinceladas esquerdizantes num homem sabidamente de direita -o que por si só não desabona ninguém-, lamentando, por exemplo, que a ditadura militar tenha se beneficiado do tri em 1970 -apesar de ponderar que Havelange "aproveitou o apoio do militarismo, na época da repressão no Brasil, para extrair dividendos para o futebol".
Já a demissão do técnico João Saldanha, na mesma época, é explicada, de passagem, como fruto de atritos "com outros técnicos e com o próprio presidente da República".
O livro tem uma revelação preciosa, infelizmente não aprofundada: Havelange ficou uma semana em estado de coma logo depois da conquista da Copa na Suécia, em 1958, tendo recebido, secretamente, a visita do presidente Juscelino Kubistcheck.
A biografia permite, ainda, uma leitura política como nas antigas enciclopédias soviéticas. Ricardo Teixeira aparece apenas em uma foto e, no texto, também só uma vez -no papel que lhe cabe, o do marido da filha de Havelange que deu ao neto o sobrenome do sogro.
Há "agradecimentos", sem que se explique por quê, à Penalty, a bola oficial da FPF no ano que vem, à Parmalat, sempre apoiando as iniciativas da FPF, e, é claro, às TVs Globo, Bandeirantes, Record e TVA, que transmitirão o próximo Paulistão.
"Jovem Havelange" mostra como o homem que revolucionou o futebol mundial trará a Olimpíada para o Rio de Janeiro em 2004, realizando-a numa região carente da cidade, o Fundão, tamanhas são suas preocupações sociais.
Faz, ainda, um balanço de sua carreira como atleta, afirmando que "Havelange teria tido ainda a oportunidade de atingir uma das maiores participações individuais em Olimpíadas, não fosse o cancelamento da competição nos anos de 1940, 1944 e 1948".
Enfim, a segunda biografia autorizada de Havelange -a primeira, "João Havelange, Determinação e Coragem", foi publicada em 1978 e escrita pelo funcionário da antiga CBD, Vivaldo de Azevedo, num momento em que o governo Geisel obrigou Havelange a se demitir da entidade e ele precisava se reeleger na Fifa- tem de muito bom mesmo apenas o título, embora até esse pudesse ser melhor: São Havelange.

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