São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Oscar Niemeyer doa projeto a negros

MARILENA FELINTO
DA ENVIADA A MACEIÓ

O Conselho Geral do Memorial Zumbi, encarregado de gerenciar um projeto de preservação da serra da Barriga, local onde ficava o Quilombo de Palmares, existe desde 1980 em Alagoas. Formado por grupos do movimento negro, órgãos governamentais e pela iniciativa privada, o conselho espera conseguir este ano -por ocasião da comemoração oficial dos 300 anos de morte de Zumbi, no próximo dia 20 de novembro, em União dos Palmares- os recursos necessários para iniciar o seu chamado "Plano de Manejo".
Zezito de Araújo, 43, membro do conselho, historiador e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), disse à Folha, em entrevista em Maceió, que o objetivo do projeto é "reconstituir a história do cidadão negro brasileiro a partir do Quilombo de Palmares e transformar a serra da Barriga em pólo de peregrinação e etnoturismo".
Sem verba para atuar, o conselho só conseguiu de concreto até agora um projeto arquitetônico executado por Oscar Niemeyer, a ser instalado na serra da Barriga. O projeto foi doado por Niemeyer ao movimento negro. A entrega oficial acontecerá no próximo dia 20, em União dos Palmares.
(MF)

Folha - O que é o Plano de Manejo da serra da Barriga?
Zezito Araújo - O Plano de Manejo existe desde 87 e inclui a recuperação da flora e da fauna da região, estudos arqueológicos, de utilização do solo e de assentamento ou exclusão da população local. Por enquanto, a Ufal é que tem executado esse trabalho.
Folha - O que é exatamente um projeto de "etnoturismo"?
Araújo - O Conselho Geral do Memorial Zumbi, cujo presidente é Abdias Nascimento (escritor e artista plástico), pretende realizar diversas iniciativas para reconstituir a importância histórica de Palmares e do líder Zumbi. Uma delas é estabelecer essa nova vertente da viabilização da serra da Barriga como local de interesse turístico, capaz de resgatar a memória do negro brasileiro e representar o holocausto sofrido pelos negros, que foi muito maior do que a diáspora sofrida pelos judeus.
Folha - Que iniciativas já foram tomadas?
Araújo - Há o conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer que pretendemos instalar na serra da Barriga e estudos propostos por alunos da Ufal. Desse conjunto constariam um monumento a Zumbi dos Palmares, um museu do negro, um complexo hoteleiro e um centro cultural e de estudos. Outra idéia, ainda em fase de concepção, é a de captar recursos, inclusive no exterior. Eles serviriam para mandar para a Holanda, por exemplo, alguns pesquisadores preocupados não só em estudar os documentos holandeses que tratem desse assunto, como em formar pessoas nessa área de estudo. Precisamos de gente que possa aprender holandês e queremos contratar especialistas que transcrevam documentos do holandês do século 17 para hoje.
Folha - Já existe verba destinada a isso?
Araújo - Quase nenhuma. Nossa grande dificuldade é obter verbas. Estamos tentando sensibilizar a sociedade brasileira para esse problema.
Folha - O sr. é do grupo de arqueólogos que realiza escavações na serra da Barriga. Como está o trabalho?
Araújo - Faço parte desse projeto, que é coordenado pelo professor Pedro Paulo Funari, da Universidade de Campinas, e pelo professor Charles Orser, da Universidade de Illinois (EUA). As pesquisas estão paradas. A primeira etapa de campo foi feita em 1992, depois de um levantamento de superfície, identificando o potencial arqueológico da região. Fomos muito felizes, porque descobrimos objetos que identificavam a presença de populações. Encontraram-se cerâmica, potes e vestígios de fogueiras. Os estudos dos vestígios ainda estão em andamento. O grande desejo é encontrar um cemitério ou esqueletos de quilombolas, porque aí seria mais fácil identificar a sociedade que vivia ali. Essa mesma pesquisa foi feita com sucesso em fazendas de escravos negros nos Estados Unidos.
Folha - A pesquisa arqueológica vai reconstituir o que falta da história do quilombo?
Araújo - Não, porque falta quase tudo. Há uma necessidade premente de se estudar a formação social de Palmares. Temos poucos elementos sobre isso, sobre o cotidiano desse povo, cerca de 30 mil pessoas, considerando toda a área do quilombo, de quase 300 quilômetros, uma área enorme. É preciso também levar em conta o fato de que os relatórios das expedições holandesas e portuguesas eram às vezes grandes mentiras, feitos para ganhar os prêmios que a coroa dava aos chefes das expedições. O próprio Décio Freitas e o Clóvis Moura fazem essa ressalva. Então, só se tem uma idéia do que era Palmares. No entanto, a grande vitória dos intelectuais mais progressistas do Brasil, juntamente com o movimento negro organizado, nessas últimas décadas, foi reconhecer Palmares como um local em que cidadãos livres tentavam construir uma forma alternativa de sociedade. Esse processo de reversão da história de Palmares foi um grande avanço.

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