São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Um mergulho no prazer do texto

CARLOS VOGT
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Transleituras", de José Paulo Paes, tem a simplicidade honesta -o melhor seria dizer não-enganosa- de quem sabe ler, escolhe bem o que lê, sabe contar o lido, tecê-lo no translido (passe a liberdade do termo, motivada pelo neologismo do título), tudo temperado com a fina especiaria do prazer da leitura: dele, autor destes ensaios, que leu primeiro; nosso, leitores de sua leitura que nele e com ela aprendemos a ler.
José Paulo Paes é um mestre por escrito: ensina a amar os textos-objeto de sua crítica; faz-nos aprender a amar a própria crítica e nos expõe à convivência tranquila com a paráfrase, o comentário, a análise precisa, a erudição necessária, a interpretação inteligente da obra literária -prosa ou poesia- nos seus pequenos e grandes movimentos culturais.
Dito assim, as observações acima têm uma pompa que não se coaduna com a personalidade discreta e as circunstâncias pachorrentas -para usar uma expressão do próprio autor- da perenidade sistemática de sua convivência feliz com a literatura.
Químico industrial, cedo, ainda em Curitiba, onde se formou, iniciou sua atividade literária na revista "Joaquim", dirigida por Dalton Trevisan. Paulista, de Taquaritinga, onde nasceu em 1926, a vida intelectual de José Paulo Paes transcorreu no exercício contumaz de leitura, pelo prazer profissional do editor que foi durante anos, pela profissão prazerosa do escritor que foi se firmando nos múltiplos projetos intelectuais que se propôs realizar e assim realizou: poeta, tradutor, ensaísta, desses que vale a pena conhecer, pela obra e pela existência.
"Transleituras" reúne textos da militância intelectual do autor pela literatura em si e, em consequência, pela qualidade da imprensa literária que entre nós vai, à deriva, combalida. Publicados em periódicos não acadêmicos, mostram, com precisão, a agilidade e a sutileza de quem, sendo breve, sabe ser profundo na transparência do estilo, na clareza das idéias, na coerência do raciocínio, na envolvência das imagens e das associações, que se tecem como que por si mesmas.
Dividido em três partes, os ensaios viajam (e nós com eles) pela prosa de ficção, brasileira principalmente, pela poesia ossiânica de Macpherson até, como diz o autor, a mitificação institucional do modernismo, tema aliás recorrente na ensaística de José Paulo Paes, de que o trabalho "Exilados e Nativistas", publicado em "Mistério em Casa" (1961), é um bom exemplo.
O nativismo que nos aferra à pátria e o bovarismo que nos desprende e exila a alma no cosmopolitismo entediado de outros páramos culturais, as forças centrífugas e centrípetas que nos condensam e nos fragmentam; a perseguição da síntese pelos caminhos do múltiplo, as livre-associações disciplinadas pelo rigor da erudição alegre e generosa entretecem o entretenimento que a leitura das leituras de José Paulo Paes propicia.
E é por pura associação translida que me vejo se encontrar, num desses portos mágicos em que nos contemplamos contemplando cidades invisíveis, o fino exercício intelectual e sensível do leitor atento e disperso que é José Paulo Paes e o belo elogio que, em "Sobre a Leitura", faz Marcel Proust do ato de recolhimento e entrega que o prazer do texto concretiza e expande.

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