São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995 |
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Calvinistas no Recife
MARILENE FELINTO
O estudo resultou na publicação "Recife: The Rise of a 17th-Century Trade City From a Cultural-Historical Perspective" (O Surgimento de Uma Cidade de Comércio do Século 17, de Uma Perspectiva Histórico-Cultural), 1989, escrita originalmente em holandês. O texto é dividida em duas partes: "Casa Grande" e "Senzala". A historiadora falou à Folha em Amsterdã. Folha - Os holandeses perderam o Brasil por não terem se mestiçado com negros e índios? Hannedea van Nederveen Meerkerk - Entre muitas coisas, talvez sim. Por razões econômicas e políticas, claro. Eles chegaram a se misturar com os índios, mas não com os negros. Nessa altura, os portugueses também não se misturavam muito com os negros, só depois é que começou a grande miscigenação. Folha - Faltou tempo aos holandeses? Van Nederveen - Isso também. Mas eu acho que a religião católica dos portugueses foi o grande empecilho. E a língua um pouco, porque os judeus de Recife, que também eram donos dos escravos, falavam português com eles. Mas tinha muita gente culta na Companhia (das Índias Ocidentais). Ambrosius Richshoffer, soldado da Companhia, conta em seu diário que sabia conversar com um português porque tinha aprendido latim na escola. Mas os holandeses eram calvinistas, a religião sempre era um problema. Eles estranhavam, por exemplo, a forma rígida dos jesuítas transformarem em católicos os índios. Folha - Por que não impuseram a religião deles? Van Nederveen -Porque toda a cultura do açúcar estava na mão dos portugueses. Quero dizer que os portugueses tinham o know-how para tratar com a situação aqui. Sabiam cuidar das plantações de cana e dos escravos. O homem que cuidava da qualidade do açúcar no engenho era português, o que vigiava o escravo era português. Quando os holandeses chegaram, tudo já funcionava desse jeito. Os próprios portugueses se espantavam porque os holandeses não tentavam operar os engenhos por conta própria e nem tentavam educar os negros. Folha - Em suas outras colônias, os holandeses se mestiçaram com os negros? Van Nederveen - Sim, há muitas famílias misturadas em Curaçao, nas Guianas também. Mas no Brasil, como eu disse, também os negros já tinham contato com a religião católica. Viajantes holandeses da Companhia, como Johannes Nieuhof, diziam nos relatos sobre Palmares que os negros mantinham um pouco da religião católica, mas tinham seus próprios padres e juízes. E Zacharias Wagner menciona sobre Palmares que os negros faziam xangô no Brasil já em 1630. Folha - Segundo historiadores, os holandeses preferiam trabalhadores livres a escravos. Van Nederveen - No início, sim, mas depois eles logo viram que tinham que usar os escravos. Os calvinistas estranharam o tratamento cruel dado aos escravos. Mas logo aceitaram aquilo. Eles também foram cruéis. Durante as viagens nos navios era pior. A Companhia foi muito negligente e desumana, não tratava os negros como seres humanos. Nas plantações era melhor, porque a gente sabia que, como eram muito caros, precisavam ser bem tratados. Folha - Qual a importância histórica do Brasil holandês para a Holanda de hoje? Van Nederveen - O interesse não é grande, mas as pessoas que se interessam tem a possibilidade moral de relativizar e se perguntar: o que fazia um soldado holandês num outro país, naquela época? O grande inimigo não era o brasileiro, mas o espanhol. A gente não se orgulha muito daquele período. No Brasil, foi muito curto. Mesmo assim, em Recife, todo mundo conhece Maurício de Nassau. Eu creio que a mentalidade pernambucana ainda é muito mais independente do resto do Brasil, do governo de Brasília, e isso talvez ainda venha da época colonial em geral, não só por influência holandesa. Pernambuco sofreu influência calvinista dos holandeses e judaica dos comerciantes de Recife. Texto Anterior: Holanda quis 'reescravizar' negros Próximo Texto: Escravos sofriam mutilações Índice |
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