São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Deus e o diabo na terra do crack

GILBERTO DIMENSTEIN

Enquanto caminhava pela Grand Central Station, em Nova York, quarta-feira passada, às 12h45, Mário Justino, aidético, ex-prostituto e ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, ia me contando como planejou assassinar o bispo Edir Macedo -para completar o insólito da cena, passa ao lado, confuso diante de tantos sinais do metrô, o presidente da Fiesp, Carlos Eduardo Moreira, acompanhado da mulher.
Negro, 30 anos, Mário tem uma coleção tão diversa de "ex" em sua curta vida, que, se injetada num filme, comporia um personagem irreal: ex-viciado, ex-traficante do Harlem e ex-mendigo. Para registrar essa tumultuada sequência de "ex", ele virou escritor.
Sai esta semana seu livro "Nos Bastidores do Reino - A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus". O livro me levou a encontrá-lo semana passada nos mais diferentes cenários: de cafés de livrarias, passando pelo Central Park, até pontos de vendas de drogas no East Harlem, onde traficou e se viciou.
No círculo do crack e da Aids, conta Mário Justino, reanimava-se no ódio a Edir Macedo, a quem responsabiliza por ter sido demitido da Igreja Universal quando comunicou que tinha Aids. Sua vida ganha algum sentido ao tramar o assassinato -uma morte que só não acontece, afirma, porque na hora "H" Edir Macedo, a seu alcance, não conseguiu.
Previsível que o relato atraia a atenção devido ao debate sobre a Igreja Universal do Reino de Deus. É, porém, um detalhe. O sentido, de fato, do personagem não está aí: está no próprio absurdo de Nova York, que, em essência, é o absurdo brasileiro.
Por todos os lados da cidade jorra dinheiro, fecham-se bilionários negócios, turistas lotam sofisticados restaurantes, esvaziam as lojas. Mas, ao mesmo tempo, Nova York produz camadas indestrutíveis de miséria e marginalização, gerando diariamente variações de personagens como Mário Justino, que se entregam ao tráfico de drogas, dormem em abrigos de mendigos ou subterrâneos do metrô.
Daqui se vê como o Brasil está na pré-história social, longe das promessas e boas intenções dos homens públicos.
Além do contínuo crescimento da economia, os programas sociais americanos nos níveis municipal, federal e estadual despendem por ano US$ 300 bilhões, mais da metade do PIB brasileiro. Dinheiro que deve ser somado às toneladas de dinheiro da filantropia privada: ao contrário do Brasil (onde, por sinal, governos se comovem com bancos e banqueiros em situação difícil), o empresário daqui orgulha-se de dar sua fortuna para a comunidade.
No entanto, segundo um levantamento da Fordham University, a saúde social dos EUA piora a cada dia. A Fordham usa 16 indicadores, da mortalidade infantil, passando pela distribuição de renda, suicídio de adolescentes, até homicídios e desemprego.
São duas lições: 1) apenas crescimento econômico e economia de mercado não acabam com a miséria; 2) por mais que se faça esforço social no Brasil (o que ainda não é o caso), sempre vai ser pouco.
PS - Estimulada debaixo do pano pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a discussão sobre reeleição no Brasil é, nesse momento, uma bobagem destrutiva; desvia a atenção de questões vitais que deveriam ser aprovadas urgentemente no Congresso. Quem diria, o PFL está dando lição de moral ao PSDB.

É terrível ser aidético -menos terrível em Nova York. Mário Justino, por exemplo, apesar de ilegal no país, tem tratamento, pensão mensal de U$ 500,00, verba para alugar apartamento e talões de refeição.

A imprensa informa que a produção de veículos no Brasil bateu recorde: foi melhor do que em 1994, que, por sua vez, já tinha superado 1993. No total, a venda de veículos nacionais e importados vai ser 24% maior em relação ao ano anterior. Mesmo assim, segundo a notícia, estão reclamando -talvez para justificar o terrorismo que induziu à nação a exagerar o tamanho da crise.
PS - Aliás, ainda faltam 45 dias para a Fiesp confirmar sua previsão de que, neste final de ano, a recessão provocaria uma quebradeira generalizada no Brasil, trazendo de volta a inflação.
Se a recessão vier mesmo, vai ser recebida de camarote pelos mais de 100 mil brasileiros que viajam aos EUA em dezembro, segundo cálculos das companhias aéreas. Vão assistir a quebradeira de Nova York ou de Miami.

Avaliação de especialistas no mercado de informações on-line: o ramo cresce mais rapidamente do que se imaginava. Mas os negócios só vão explodir, de fato, quando o consumidor tiver segurança de comprar pela Internet. Há um temor -justificado, diga-se- de que intrusos entrem nas mensagens e usem cartões de crédito alheios.
Estão quebrando a cabeça para encontrar a solução. Uma delas é usar a criptografia, sistema de códigos secretos empregados em mensagens governamentais.

Um saboroso detalhe da vida familiar de Caetano Veloso foi revelado semana passada numa mesa de restaurante do Soho por Paula Lavigne, sua mulher. Caetano costuma embalar o filho pequeno todas as noites, cantando. Certa vez, com o pai em turnê, Zeca pede à mãe para cantar. Paula tenta mudar de assunto, sugere a leitura de um livro. O menino insiste: só dorme com música! Ela bem que tentou, mas se frustrou. Imaginando que todo mundo tem o privilégio de ser ninado por Caetano Veloso, o menino colocou a mão no ouvido e reclamou, exigente: "Como você canta mal!.".
PS - Reconhecimento que justifica qualquer atentado aos ouvidos: Paula Lavigne foi uma das grandes responsáveis pela bem-sucedida operação de bastidores para salvar o Projeto Axé, de Salvador.

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