São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Líder do Paz Agora diz que ódio levou a assassinato

OTÁVIO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

Galia Golan, 56, professora de ciência política na Universidade Hebraica de Jerusalém, acredita que a ideologia de ódio propagada por grupos de direita proporcionou o clima que culminou na morte de Yitzhak Rabin.
"As pessoas começaram a expressar seu ódio de maneira nunca vista antes" disse à Folha. Golan é uma das líderes do movimento israelense Paz Agora.
O Paz Agora, cuja figura de maior destaque é o escritor Amos Oz, surgiu em 1978, durante o processo de paz entre Israel e Egito, num momento em que as negociações pareciam fracassar.
Desde então, o movimento tem exercido pressão constante em favor da paz no Oriente Médio.
A professora afirma que, após o crime, será difícil para o Estado israelense garantir a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que combate os grupos radicais.
"Pode até ser aceitável deter alguém por carregar uma faixa com mensagem violenta, mas você não pode impedir uma pessoa de dizer alguma coisa". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - O assassinato de Yitzhak Rabin coloca em risco o processo de paz?
Galia Golan - Em alguns aspectos, sim, em outros, ocorre o contrário. Embora Shimon Peres seja absolutamente dedicado ao processo de paz, ele não tem a mesma autoridade. Rabin tinha um passado militar que inspirava confiança.
Por outro lado, porque o assassinato aconteceu durante uma manifestação de paz e por causa da política de paz implementada por Rabin, toda essa demonstração de afeto e devoção dirigida a ele está conectada com a paz. Uma boa parte do público, que estava no meio do caminho, após sua morte se questionou: "Bem, ele foi morto pela paz, certamente eu sou a favor da paz".
Isso aconteceu especialmente entre os jovens. Em diversas entrevistas, eles têm dito que o motivo pelo qual se sentem devastados com a morte desse líder é que ele representava a esperança de paz, o que, para os jovens, significa não ter de ir para a guerra.
Não sabemos até que ponto este estado de humor vai durar, e a direita certamente não mudou, mas há um grupo mais vasto agora a favor do processo de paz.
Folha - O processo de paz ignorou as reivindicações dos grupos mais extremistas, estimulando seu crescimento?
Golan - Não. Um dos principais problemas no processo de paz é a existência de judeus nos territórios ocupados. O governo se recusou a remover um único assentamento, o que atrasou a retirada tropas israelenses e as eleições palestinas.
As reivindicações da extrema direita não estão relacionadas a alguma coisa que o governo poderia ter feito, mas sim a uma diferença fundamental entre um grupo de pessoas que acredita que a terra nos foi dada por Deus e a maioria, que sustenta que o mais importante é nossa segurança e não a quantidade de terra sob nosso controle.
Folha - Os que se opõem ao processo de paz sustentam que a devolução dos territórios ocupados colocaria 70% da população de Israel ao alcance de ataques. Isto é uma ameaça?
Golan - Não temos nada a temer em relação aos palestinos. Podemos temer ataques da Síria, Iraque ou Irã. Israel tem as Forças Armadas mais fortes do Oriente Médio, uma das melhores Forças Aéreas do mundo.
Segurança é um problema no caso das colinas do Golã, na fronteira com a Síria. Teremos de fechar acordos muito claros antes de concordar em abandonar Golã.
Folha - Muitos dos assentamentos judeus em territórios ocupados são em realidade pequenas cidades, com excelente infra-estrutura. Os moradores realmente terão de abandonar suas casas ou haverá um acordo que os permita ficar?
Golan - A questão é quem vai querer morar em paz com a Autoridade Palestina, em um Estado Palestino, sob lei palestina. Os assentamentos foram colocados nos territórios ocupados para ser um obstáculo à devolução.
O Partido Trabalhista, após 1967, criou alguns assentamentos, para cerca de 10 mil pessoas, em áreas de fronteira que considerava estratégicas. Mas quando o Likud tomou o poder, em 1977, o número de moradores em assentamentos saltou para cerca de 120 mil.
Eles iniciaram uma política de incentivos. O preço de uma casa num assentamento era equivalente à metade do que custava um apartamento de três quartos em Jerusalém. A maioria das pessoas mudou-se por razões econômicas, não por razões ideológicas.
Na minha opinião, o Likud tinha dois objetivos. O primeiro era colocar o maior número possível de judeus em terras árabes de maneira a que elas não pudessem ser devolvidas. O segundo era criar um eleitorado cativo: 120 mil pessoas que sempre votariam a favor do partido contrário à devolução.
Folha - O Likud tinha grandes chances de vencer as eleições do ano que vem antes do atentado a Rabin. A situação mudou?
Golan - Se as eleições fossem amanhã, creio que o Partido Trabalhista, de Rabin, ganharia com folga. As pessoas estão revoltadas porque o Likud não tentou temperar o discurso dos extremistas, que acusavam Rabin de traidor e, por vezes, até pediam sua morte.
Líderes do Likud também estiveram presentes em manifestações onde foram exibidos cartazes de Rabin num uniforme nazista e outras coisas do tipo. Mas na próxima semana, ou no próximo mês, quem sabe o que pode acontecer?
Folha - Um tema polêmico em Israel é exatamente o limite entre liberdade de expressão e incitamento à violência. A democracia israelense está em perigo?
Golan - Acho que a democracia está em perigo aqui desde o final dos anos 80, quando o racismo começou a ser encorajado neste país.
"Os judeus são o povo escolhido", "nós temos nossos direitos e os direitos dos árabes não importam". Esse tipo de ideologia propagada pela direita criou uma atmosfera em que as pessoas começaram a expressar seu ódio de maneira nunca vista antes.
Esses grupos extremistas se tornaram cada vez mais aparentes e chegaram, obviamente, ao ponto de praticar violência. O assassinato de Rabin trouxe à tona a pergunta: o que fizemos para possibilitar a criação desses grupos extremistas, que não têm nenhum compromisso com a democracia, nenhum respeito ao pluralismo?
Aí vem a questão da liberdade de expressão. Onde estabelecer a linha de divisão entre liberdade e propaganda? O governo pretende apresentar uma lei nas próximas semanas definindo o que é incitamento à violência e o que é liberdade de expressão. Isso vai dar muita discussão.
Diria que pode até ser aceitável deter alguém por carregar uma faixa com mensagem violenta, mas você não pode impedir uma pessoa de dizer alguma coisa.
Folha - Para o movimento Paz Agora, até onde Israel deve ceder no processo de paz?
Golan - Desde o início, sustentamos que o acordo de paz deve ter como base dois princípios. O primeiro é o direito dos palestinos. O segundo é a segurança de Israel. Todo o resto deve ser visto de forma flexível, para facilitar as negociações entre árabes e judeus.

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