São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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'Data venia', os juristas complicam

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Se o português é o idioma oficial do Brasil, como está na Constituição (artigo 13), por que será que muitos trabalhadores do direito escrevem numa linguagem tão complicada que poucos entendem o significado das palavras empregadas? A área jurídica desculpa seu estilo barroco com a necessidade de usar linguagem técnica.
A desculpa é "data venia" (sem acento) aceitável apenas em parte, pois não há quem convença os juristas a escreverem de forma que a maior parte do povo entenda. "Data venia" é a expressão que usam, sem quererem referir-se a uma data especial, mas apenas ao devido respeito com que manifestam suas opiniões.
Foram as muitas perguntas que recebi sobre termos estranhos encontrados em trabalhos da área do direito as inspiradoras do glossário que ofereço à curiosidade do leitor, reunindo expressões técnicas que o povo nem sempre compreende.
Repetição do indébito. Se você pensa que é pagar de novo uma dívida, errou. É pedir de volta o que você não devia pagar, mas pagou. Mas, se foi dívida de jogo, esqueça: não dá direito à repetição.
Fazenda Pública. Não. Não é uma propriedade agrícola do governo. É a representação do Poder Público em juízo.
Ordem da vocação hereditária. Se seu pai é músico e você, o filho primogênito, dedicou-se à música, pode-se falar, em linguagem comum, que foi observada a ordem da vocação hereditária. Para os juristas, porém, essa expressão significa a ordem em que os herdeiros entram na sucessão. Os primeiros na ordem da vocação hereditária são os descendentes.
Exceção de incompetência. Quando o advogado afirma que o juiz é incompetente, não se quer dizer que ele é incapaz, inepto, mas que não pode apreciar a questão apresentada, e que outro juiz deve fazê-lo.
Prescrição. Para os médicos, consiste na receita do remédio necessário à saúde do paciente. Para o jurista, é o tempo passado até que alguém perca ou adquira o direito de mover uma ação.
Impedimento. É palavra comum no futebol. Todos gritam "Está impedido!" quando vêem o atacante, atrás da defesa contrária, apenas com o goleiro à sua frente. Impedimento, na linguagem dos advogados, é o fato de o juiz, por alguma razão pessoal, ser afastado do processo que deveria julgar.
Autos conclusos. Sugere que a reforma do automóvel terminou. Nada disso. Significa, em "juridiquês", que o processo foi encaminhado ao juiz para que ele decida sobre qualquer fato do processo.
"Ita speratur!". Os profissionais do direito mantêm o vício do uso do latim, embora poucos dominem efetivamente essa língua morta. "Ita speratur" é exemplo disso. Para o leigo poderia parecer que se está esperando um ita do norte. Parece, mas não é. É frequente encontrá-la no fim de petições, significando que a parte assim espera que a questão seja julgada.
Contrato de adesão. O caso aqui é diferente. É exatamente contrato em que uma das partes aceita condições impostas pela outra. Antigamente a arte tipográfica obrigava o aderente a aceitar cláusulas escritas em letras tão miúdas e em linguagem tão hermética que só se sabia o que continha quando se sofria as consequências. Hoje não se adere ao que é obscuro. Nesse campo a linguagem jurídica e legal melhorou muito.

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