São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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Fratura exposta

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Estamos na Secretaria da Receita Federal, 7º andar do Ministério da Fazenda. Everardo Maciel, chefe da repartição, ri de orelha a orelha.
Até o final do ano, a Receita deve embolsar mais de R$ 80 bilhões em impostos. É um recorde histórico. Ano passado, o governo havia sorvido da sociedade R$ 64 bilhões. O aumento de arrecadação será de pelo menos 25%.
Um detalhe: em 94, o governo contava com o reforço do IPMF, já extinto. O famigerado imposto sobre o cheque rendeu U$ 6 bilhões. O que torna o resultado de 95 ainda mais significativo.
Corta para o segundo andar da Fazenda. Chegamos ao gabinete de Murilo Portugal, secretário do Tesouro Nacional. Um outro cosmos. A atmosfera aqui é lúgubre. Há certa tensão no ar.
Responsável pela liberação dos gastos do governo, Murilo traz o cenho franzido. É considerado um mago das contas públicas. Produz superávits do nada. Mas o crescimento dos gastos do governo tem sido maior do que suas habilidades. Murilo está às voltas com déficits de caixa.
Everardo e Murilo não deveriam viver em galáxias tão dessemelhantes. Estão separados por escassos quatro andares. Pela escada, estão a cinco minutos um do outro. Pelo elevador, 40, talvez 50 segundos. O que separa o universo dos dois é algo que, em economês, recebe o nome de descontrole fiscal.
Em português claro: embora Everardo esteja arrancando do bolso do contribuinte quantidade cada vez maior de dinheiro, não consegue cobrir a gastança que Murilo tenta, sem sucesso, conter. O déficit acumulado do ano é de R$ 2,6 bilhões.
Ainda que obtenha autorização para adiar o pagamento do 13º salário do funcionalismo para janeiro de 96, Murilo não conseguirá evitar um déficit nas contas de 95. Acabou a temporada de mágicas.
O desequilíbrio orçamentário é uma fratura exposta. Um desafio para o governo. Ou se estanca a sangria ou logo algumas biografias serão afetadas. Entre elas a de José Serra, o super-homem que prometeu pôr ordem na casa.
O curioso é que entre o riso de Everardo e a tensão de Murilo há uma sociedade desconsolada, cansada de ser maltratada pelo Estado.

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